Economia ou racionamento
Pedro J. Bondaczuk
O governo federal, através da
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), está prestes a
tornar oficiais, nas próximas horas, algumas medidas, fartamente
divulgadas nos últimos dias pela imprensa, tendentes a reduzir
drasticamente o consumo de eletricidade em todo o País, para evitar
um indesejável racionamento.
A decisão, conforme
justificam os técnicos, deve-se aos baixos níveis das águas em
diversos reservatórios (alguns com apenas 35% da sua capacidade
normal), responsáveis pela movimentação de turbinas de boa parte
das hidrelétricas brasileiras, notadamente das regiões Sudeste e
Centro Oeste, em decorrência de um verão inusitadamente seco nessas
áreas, com chuvas insuficientes para repor os níveis ideais das
represas.
Trata-se, pois, da primeira
vez em que a população é convocada (talvez o termo mais correto
seria "intimada" ou "coagida") a fazer esse tipo
de economia, sob ameaça de pesadas multas, que em alguns casos
poderiam elevar as contas de luz em até 400% ou mais. A medida,
entre outras coisas, ameaça o tímido crescimento da atividade
econômica que se esboça no País, com possibilidades reais de
afetar severamente a produção industrial e aumentar, ainda mais, o
já escandaloso nível de desemprego que se verifica na atualidade,
apesar das negativas do governo, agravando ainda mais o já
gravíssimo caos social. Há, portanto, uma série de
questionamentos, e de críticas, todos altamente pertinentes, contra
tão draconianas providências, tanto de ordem jurídica, quanto, e
principalmente, de caráter prático.
Há, por exemplo, quem
questione a falta de investimentos em novas unidades de geração de
energia elétrica (hidrelétricas, termelétricas, etc.) nas áreas
de maior consumo, como a principal responsável pelo atual risco de
escassez. Afinal, a maior capacidade da iniciativa privada de
investir, neste tão sensível e estratégico setor (e em outro
qualquer) foi um dos pretextos (o principal) para a privatização de
várias das empresas estatais, que até funcionavam a contento.
Nota-se, no entanto, que pouco
(ou nada) se investiu, embora houvesse considerável crescimento da
atividade econômica, com a consequente e esperada elevação do
consumo. E apesar do compromisso assumido pelas diversas
concessionárias, beneficiadas com a aquisição de rentáveis
complexos de geração e de distribuição de energia elétrica, em
várias partes do País, a preços altamente compensadores (quando
não subsidiados pelo Estado, caracterizando quase que uma "doação"),
pelo menos até aqui, pouco, ou nada, se construiu.
Entre os questionamentos às
medidas anunciadas pela Aneel estão os de renomados juristas, que
garantem que as providências propostas são, sobretudo,
inconstitucionais. Ademais (e não são necessárias sequer provas
concretas a respeito), o maior desperdício de eletricidade ocorre no
próprio setor público. Só em lâmpadas acesas sem qualquer
necessidade, dia e noite sem parar, em inúmeros edifícios do
governo, que mais parecem gigantescas e feéricas árvores de Natal,
alguns milhões de quilowatts são desperdiçados, de forma estúpida
e irracional, sem que nada se faça e sem que os responsáveis sejam
cobrados.
Uma pergunta ainda carente de
resposta refere-se ao destino a ser dado às multas que seriam
cobradas das famílias e das empresas que não reduzissem o consumo,
caso as propaladas medidas fossem, de fato, implementadas, e tudo
indica que o serão (a intenção é que passem a vigorar já a
partir de 1º de junho próximo).
O dinheiro arrecadado iria
para os cofres das concessionárias ou da Aneel? Caso o destino fosse
o das empresas fornecedoras de energia, estaria caracterizada a
prática do "preço abusivo", de acordo com o Código
Nacional do Consumidor, delito passivo de severa punição. E qual
seria a aplicação desses recursos? Como seria feito o controle das
contas de luz? Quem se encarregaria, por exemplo, das leituras dos
relógios e da comparação com o consumo do mesmo período do ano
passado, para apurar se houve ou não a redução pretendida? Se
forem as concessionárias, isto vai equivaler a "entregar a
guarda do galinheiro à responsabilidade da raposa".
Não se trata, portanto, de
pessimismo considerar que uma tarefa desse porte, por sua
complexidade e abrangência, não está nas possibilidades de nenhuma
das empresas do País. Que haveria escassez de energia elétrica, a
partir dos primeiros anos deste século, todas as pessoas
razoavelmente bem informadas já sabiam há pelo menos dez anos.
Foram inúmeros os alertas nesse sentido, feitos por especialistas, e
divulgados com estardalhaço por vários órgãos de imprensa, sem
que nenhuma providência prática fosse tomada. Aliás, desde a
década dos 80s que se cobram maiores (e mais racionais)
investimentos no setor energético. Em vão! Algumas hidrelétricas
foram, de fato, construídas, mas com escandalosos superfaturamentos
em seus custos, cuidadosamente escondidos da opinião pública.
Unidades orçadas em um determinado valor (em geral já
superdimensionado), quando concluídas acabaram custando o dobro, o
triplo ou mais. E nenhum desses "Lalaus" da vida foi sequer
identificado, quanto mais molestado. Por que? É um mistério!
A falta de chuvas do último
verão não passa, portanto, de um esfarrapado pretexto para tentar
esconder a incompetência (para se dizer o mínimo) de quem tinha a
obrigação de prever soluções para situações críticas, como a
deste ano, mas que não previu. O País não pode ficar a mercê de
decisões desses burocratas insensíveis, ou na dependência dos
caprichos da natureza, num setor econômico tão estratégico, quanto
o da geração e distribuição de energia elétrica. Afinal, ao
contrário do que pensa o vulgo, "um raio não cai uma única
vez num mesmo lugar". Não necessariamente...
(Editorial da Folha do
Taquaral da segunda quinzena de maio de 1998)/
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