Originalidade
de estilo
Pedro
J. Bondaczuk
A
Literatura italiana tem consolidada tradição de qualidade.
Constitui-se, queiram ou não, em um referencial nas letras dos
principais centros artísticos e culturais da Europa e do mundo. Esta
afirmação pode soar até um tanto acaciana, mas, creiam-me, não é.
Nem sempre ela é devidamente reconhecida, pelo menos não na
proporção exata da sua real importância, quer por críticos, quer
por estudiosos da cena literária.
Se
tomarmos, por exemplo, o Prêmio Nobel de Literatura como parâmetro
de qualidade (e não deixa de ser referencial válido para tal),
veremos que cinco escritores italianos, entre os quais uma mulher,
Grazia Deledda em 1926, já conquistaram essa prestigiosa e cobiçada
premiação. Os outros quatro foram: Giosué Carducci (1906), Luigi
Pirandello (1934), Salvatore Quasimodo (1959) e Dario Fo (1997).
Outros
tantos escritores, que não foram distinguidos com essa premiação,
notadamente Umberto Eco, são ícones da literatura contemporânea e
mereceriam também um Nobel, embora sequer tenham sido indicados. Um
que tem que ser citado obrigatoriamente, neste caso, é o romancista,
poeta, novelista, contista, autor teatral e jornalista Dino Buzzati.
Este soube conquistar seu espaço, graças, sobretudo, ao estilo
inconfundível e inimitável que o caracterizou.
Em
Literatura – como, ademais, em tantas outras atividades – têm-se
dois extremos. Em uma ponta, estão escritores que ocupam o “centro
do palco”, que se consagram por uma ou várias obras-primas,
conquistam o Nobel e outros tantos importantes e prestigiosos prêmios
e findam por se tornarem clássicos. Na outra ponta estão os que
considero “rebeldes”, que rompem com os padrões estatuídos e
oscilam entre o ostracismo e o ridículo e a genialidade
incompreendida. Muitos, talvez a maioria, jamais têm, ou tiveram,
seus livros publicados pelos meios convencionais. Via de regra,
bancam-nos do próprio bolso. São tidos e havidos como “marginais”
(sem nenhuma conotação pejorativa).
Dino
Buzzati, todavia, não se enquadra em nenhum desses extremos. Não é
tido como “clássico” da literatura italiana (embora,
pessoalmente, eu o considere como tal), não conquistou nenhum Nobel,
enfim, não é tido como “ícone” literário. Todavia, nunca foi
da “classe” dos marginais. Sua maior originalidade consiste
exatamente nisso. Ou seja, no fato de haver criado para si uma
categoria única, sem similar. Se você tiver lido alguma de suas
obras e, subitamente, lhe cair em mãos algum romance desse autor,
mas que antes você não saiba disso, imediatamente irá
identificá-lo. Por que? Porque o seu estilo é original, é único e
é inconfundível.
Dino
Buzzati morreu em 28 de janeiro de 1972, em Milão. E a Editora Nova
Fronteira lançou (ou relançou, sei lá), há sete anos, no Brasil
sua novela “Barnabo das montanhas”. Não é o seu livro mais
famoso, mas bem que poderia ser. Afinal, foi com essa obra, publicada
em 1933 na Itália, com o título de “Bárnabo delle montagne”,
que iniciou sua brilhante e vitoriosa carreira literária. Seu maior
sucesso, todavia, é outro. É o romance “O deserto dos tártaros”,
que alcançou sucesso mundial. Mas seu livro de estreia não fica
nada a dever ao que o consagrou mundialmente.
Dino
Buzzati Traverso, nascido em San Pellegrino di Belluno em 15 de
outubro de 1906, foi, por muitos anos, jornalista do tradicional
“Corriere della Sera”. Na Segunda Guerra Mundial, serviu na
África, como correspondente da Marinha italiana. Findo o conflito,
de regresso à Itália, publicou a novela “O deserto dos tártaros”,
que se tornou best-seller. Sua obra é vastíssima. Dino Buzzati nos
legou, por exemplo, entre prosa e poesia, 45 livros. Mas não foi só.
Deixou, ainda, 18 peças de teatro, algumas muito conhecidas. E mais,
escreveu, e publicou, cinco libretos para música, além de diversas
radionovelas.
Sua
novela, lançada pela Editora Nova Fronteira (que conta com a
tradução de Maurício Santana Diaz), foi levada às telas do cinema
sob o título de “O guardião da montanha”. A película teve,
como intérprete do principal personagem (Barnabo), o ator Marco
Pauletti e no elenco Duilio Fontana, Carlo Caserotti, Antonio
Vecelio, Angelo Chiesura e Alessandra Milan. A direção foi de Mario
Brenta
Nem
tudo o que Dino Buzatti escreveu, porém, foi sucesso. Como quase
todo escritor, também teve suas decepções, que quase o levaram a
desistir da literatura. Após o sucesso de “Barnabo das montanhas”,
lançou, em 1936, sua segunda novela seguida, “O segredo do bosque
velho”. E, por um desses caprichos do acaso, aos quais todos nós
que vivemos de literatura estamos sujeitos, o livro foi, na ocasião,
um grande fracasso. Apenas décadas depois, quando Buzatti já havia
se consagrado como um dos maiores escritores italianos é que esse
livro teve vendas se não espetaculares, pelo menos razoáveis.
A
propósito do seu estilo peculiar, a enciclopédia eletrônica
Wikipédia destaca: “A
obra literária de Dino Buzzati remete — como se tinha antecipado —
por uma parte à influência de Kafka, pelo escárnio e pela
expressão da impotência humana enfrentada no labirinto de um mundo
incomprensível. Mas também remete ao Surrealismo, como acontece em
seus contos, onde a conotação onírica está sempre muito presente.
Talvez, para apurar melhor seu estilo, se tenha que procurar
similaridades com as correntes existencialistas dos anos 1940–1950.
Ou na proximidade ao espírito de A náusea (1938) de Jean-Paul
Sartre; ou na de Albert Camus com O estrangeiro (1942). Por outro
lado, devemos voltar a destacar que O deserto dos tártaros gestou a
notoriedade do autor, que conheceu, com esta novela, o sucesso
mundial. Essa obra pode ser relacionada a um ‘presente perpétuo e
interminável’, que a vincula com outros dois grandes clássicos:
Georges Perec e As coisas, e Thomas Mann com sua Montanha mágica”.
Se
você ainda não conhece esse originalíssimo escritor italiano, está
aí excelente oportunidade para suprir essa lacuna e se deliciar com
sua criatividade e originalidade. Concordo, portanto, com a
constatação dos críticos de que seu espaço no mundo literário é
único: não está nem no centro do palco e nem à margem dele, mas
numa condição intermediária, e privilegiada, entre ambos. Confira
por si só.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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