Original
marca de propriedade
Pedro
J. Bondaczuk
A
palavra “ex-libris” provém do latim e significa “os livros
de”. Trata-se de uma espécie de vinheta, personalíssima, que
contém o nome e a divisa (o lema) do bibliófilo que a adota.
Costumeiramente, é colada no verso ou no reverso de cada livro da
biblioteca de determinada pessoa, caracterizando sua propriedade.
Alguns, para facilitar o uso, fazem um carimbo de “ex´libris”,
em vez de etiquetas autocolantes.
Os
lemas, óbvio, não são padronizados. Ficam por conta da imaginação,
da criatividade e do bom gosto de cada pessoa. Aliás, todo o
“design” desses selinhos são estritamente pessoais. Do seu
visual e, principalmente, conteúdo, é possível avaliar com
relativa margem de acerto a personalidade, a cultura, o gosto
artístico e as preferências dos seus respectivos donos. Ele
destaca, em especial, se a pessoa tem ou não talento para as
chamadas “artes visuais”.
Já
vi “ex-libris” de todos os tipos. Vi muitos rústicos, com
desenhos nada originais e até infantis e dísticos óbvios, que não
passam de clichês. A maioria, neste caso, adota lemas do tipo “Vini,
vidi, vincit”, ou “Com esse signo vencerás”, ou “Fiat lux”,
ou outro qualquer, na mesma linha. Como se observa, não são nada
originais.
No
entanto, já vi, também, “ex-libris” originalíssimos, que
poderiam ser ampliados e transformados em quadros, que não fariam
feio em nenhuma exposição de artes plásticas. Pelo contrário. Daí
minha afirmação de que estes selos personalizados revelam muito de
quem os concebeu. Alguns não criam, é verdade, mas reproduzem, em
tamanho reduzido, obras famosas dos mais requintados pintores de
todos os tempos, como Da Vinci, Rembrandt e Rafael, entre tantos
outros. Estes, na maioria das vezes, são ainda mais valorizados por
lemas sumamente criativos e originais.
Os
dísticos, quase sempre, são de apenas duas palavras, o que requer
muita imaginação para terem significados profundos e boa
sonoridade. São eles que indicam se seus autores são eruditos, de
gostos refinados, ou de cultura apenas mediana e preferências,
digamos, populares, posto que convencionais. Alguns aludem à
profissão do dono da biblioteca, ou no desenho ou no lema. Vários
trazem textos em latim. Já vi muitos escritos, todavia, em grego.
Esses “ex-libris” me fascinam, Cheguei a colecionar alguns (coisa
de pouco mais de uma centena). A coleção, contudo, com o tempo, se
perdeu em meio à bagunça dos meus arquivos e da minha nada
organizada biblioteca.
Há
controvérsias sobre a origem de marcar a propriedade de um livro com
esse símbolo. Alguns pesquisadores dizem que o primeiro foi o de
Hildebrand Brandenburg de Biberach. Era uma gravura em madeira que
tinha desenhada um anjo segurando um brasão, colorida a mão. Data
de 1480. Outros, todavia, recuam um pouco sua origem. Garantem que o
“ex-libris” mais antigo foi o do rei da Boêmia, Georgs de
Podebrady, que morreu em 1471. Não há, todavia, nenhuma prova nem
de um e nem do outro caso. Mas... A primazia não vem ao caso.
Querem,
porém, um exemplo de “ex-libris”, que todos os leitores de
jornal veem a todo instante e sequer atentam para eles? Quem era
assinante (ou comprava nas bancas) o “Jornal da Tarde” ou quem
assina e compra o “Estado de São Paulo”, se prestar atenção,
notará, no lado esquerdo do logotipo desses diários, um selinho
desse tipo. Trata-se do “ex-libris” da família Mesquita,
proprietária da empresa que editava o primeiro e que edita o segundo
desses dois jornais.
Mostra
um homem, tendo um barrete a cobrir-lhe a cabeça, montado em um
cavalo e tocando uma espécie de trompa, certamente para chamar a
atenção dos transeuntes. Esse arauto, porém, não é fruto da
imaginação ou da fantasia de algum “designer” primitivo de fins
de século XIX. Essa personagem realmente existiu. O desenho retrata,
de forma estilizada, a figura de Bernard Gregoire, que nos idos de
1876 apregoava, pelas ruas da então acanhada capital paulista, as
manchetes do jornal, que na época nem tinha ainda o nome atual, mas
se chamava “A Província de São Paulo”.
E
os proprietários do “Estadão” não estavam (e nem estão)
errados em caracterizar suas publicações com seu “ex-libris”.
Afinal, na prática, cada exemplar de um jornal não deixa de ser um
livro, posto que com formato próprio, que se tornou tradicional
(embora de uns tempos para cá seu tamanho venha variando). O
jornalista (forçando um pouco a barra) pode ser considerado um
“historiador”, que testemunha e narra a história no momento em
que está acontecendo. E o produto que faz não deixa de ser um
compêndio dessa disciplina, com 365 volumes anuais. Exagero meu? Nem
tanto!
Aliás,
o jornal apresenta até uma importante vantagem sobre o livro
clássico de História. Retrata não apenas o lado político, ou
econômico de um povo, suas guerras entremeadas de variáveis
períodos de paz, ressaltando a atuação de um ou outro dos seus
personagens. Estampa, também, seu modo de vida, como as pessoas se
divertem, como se protegem, quais livros que leem, quais peças de
teatro ou filmes assistem e vai por aí afora. E tudo isso no momento
em que cada ocorrência está acontecendo. Considero isso fascinante.
Por
outro lado, interpreto o fato das publicações do grupo “Estadão”
estamparem, em suas edições diárias, o “ex-libris” da família
Mesquita, que passou a ser, também, uma espécie de logotipo da
empresa, como inequívoca manifestação de amor dos seus
proprietários pela hoje indispensável atividade jornalística.
Voltarei ao tema.
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