Saturday, October 07, 2017

Esfinge política


Pedro J. Bondaczuk


O presidente em exercício, Itamar Franco, continua sendo, pelo menos para parte considerável do empresariado e expressiva parcela do mercado financeiro, mais enigmático do que a esfinge mitológica, que estava posta à entrada da cidade de Tebas e que foi abatida por Perseu.

Uns temem por seu apregoado "populismo", que nos parece mais uma genuína preocupação com a visível deterioração social do País, do que uma postura simplesmente demagógica. Outros, acusam-no de ser lerdo nas decisões, confrontando com um terceiro grupo que afirma exatamente o contrário. Ou seja, critica-lhe a precipitação em algumas de suas atitudes.

Todavia, aos poucos, com aquele seu jeitão de mineiro, Itamar começa a conquistar a confiança da população. Uma pesquisa de opinião feita pelo Ibope, antes da viagem do presidente ao Senegal, há duas semanas, revelou uma taxa de aprovação de 58%, o que não é nada desprezível, se forem levadas em conta as circunstâncias em que ele assumiu os destinos do País.

Faz sentido, por exemplo, o tão criticado adiamento do anúncio do plano econômico de curto prazo para o dia 18 próximo, quando o Senado deve decidir se afasta definitivamente ou não o presidente Fernando Collor.

Embora o ânimo dos senadores pareça revelar que tal decisão já seria irreversível, nunca se sabe. Enquanto o impeachment não se concretizar, sempre haverá a possibilidade, ainda que remota, de reversão.

Mas, mesmo entre o empresariado, já começam a surgir lideranças que dão um voto de confiança a Itamar. É o caso, por exemplo, do empresário Ricardo Semler (que está lançando por estes dias um novo livro com o sugestivo título de "Embrulhando o Peixe").

Comentando os dois meses de governo do presidente interino, ele desabafou: "É diferente. Está todo mundo estarrecido. Tem populismo, demagogia. Mas a preocupação dele é muito mais autêntica do que a do Collor".

Outro ponto a favor de Itamar Franco é a sua disposição de ouvir sugestões. Isso não quer dizer que todas, ou mesmo algumas, venham a ser acatadas. Há muitos interesses em jogo e nem todos são os do País, mas de simples grupos, que se acostumaram por décadas as fio a viver à sombra do poder.

Por exemplo, a demora do presidente em determinar o reajuste dos combustíveis gerou grande polêmica, na imprensa e fora dela. Falou-se em prejuízos monumentais da Petrobrás e em represamento da inflação.

Todavia, quando se verificam os resultados, observa-se que estes não foram negativos. Por exemplo, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) de novembro aponta sensível recuo na taxa de inflação em relação à de outubro.

Será que a política para os combustíveis não teve influência nisso? Seria muita coincidência. Até se entende a razão de tanta cobrança a Itamar. O País não somente perdeu a totalidade da década passada, por causa de aventuras demagógicas e irresponsáveis, como já desperdiçou dois preciosos anos da atual. Dois longos anos de recessão são suficientes para exasperar qualquer um.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de dezembro de 1992).


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