Thursday, June 08, 2017

Quebra do pacto básico


Pedro J. Bondaczuk


A inflação de julho vai cair, garantem os especialistas no assunto, destacando que isto já poderia ocorrer neste mês, caso o presidente Itamar Franco, num de seus arroubos populistas, não tivesse provocado a defasagem das tarifas públicas, que agora têm que ser recompostas mediante tarifaços.

Aliás, e supondo que sejam verdadeiras as previsões, nem é correto afirmar que as taxas inflacionárias irão baixar. Afinal, com certeza não haverá uma desejável deflação. O que pode acontecer é o custo de vida "subir menos", o que é muito diferente de cair.

O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, até aqui vem mantendo uma postura irrepreensível à frente dessa pasta que é fundamental num país em crise como o nosso. Vem adotando posições realistas, não escondendo de ninguém o óbvio, ou seja, que a situação é muito difícil e que a sociedade terá de fazer grandes sacrifícios, caso se pretenda, de fato, derrubar a inflação.

Tem dito e reiterado que não haverá nenhum plano heterodoxo, nem dolarização e nem qualquer outro truque, dos tantos usados nos últimos anos pelos pretensos "magos" da economia.

A nota dissonante, contudo, vem de alguns dos auxiliares de segundo escalão do ministério. No afã de ganharem espaço, esses funcionários plantam novas sementes de tensão na sociedade, acenando com choques e outras tolices mais, que não contam com o mínimo respaldo de ninguém.

Tais in confidências, a maioria fruto da imaginação delirante de burocratas que se mostram infiéis ao governo que servem, são um campo fértil para os boateiros de plantão, aqueles mesmos identificados pelo ex-ministro Delfim Netto como os "caçadores", ou seja, os que levantam alarido às quintas-feiras, tomam o dinheiro dos incautos --- que na verdade não faltam, convenhamos --- e gastam os lucros nos finais de semana no Guarujá.

Todavia, a despeito da postura realista de Fernando Henrique Cardoso, alguma coisa precisa ser feita para, na pior das hipóteses, fazer as taxas inflacionárias descerem pelo menos para o patamar anterior, de 25%. A inflação tem um papel altamente corruptor.

Hoje em dia, os preços são ditados aleatoriamente, virtualmente em função da aparência do comprador, e não mais baseados em fatores lógicos, principalmente as planilhas de custos. Há casos, por exemplo, de vestimentas de segunda categoria custando mais do que eletrodomésticos, como os mais sofisticados televisores em cores.

No setor de serviços, a confusão é total. O consumidor, que no comércio passou a ser pelo menos um pouco respeitado, com a implantação do código que o protege, quando precisa consertar seu carro, sua geladeira ou sua casa, é espoliado, sem ter a quem recorrer.

Nunca é demais repetir a advertência do economista Eduardo Gianetti da Fonseca, feita em recente e brilhante ensaio: "O problema básico de uma inflação alta e crônica como a brasileira --- da falta de um padrão monetário estável para a realização de transações econômicas --- é que ela gradativamente destrói o acordo moral básico do qual dependem a manutenção da ordem democrática e o funcionamento adequado do mercado. Imagine-se, por exemplo, o que aconteceria com uma sociedade moderna e complexa na qual unidades básicas de medida como a duração da hora, ou a extensão do metro, ou o volume do litro estivessem sujeitas a manipulação estatal e passassem a variar aleatoriamente de mês para mês".

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 12 de junho de 1993).



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