Sunday, June 25, 2017

Hora da limpeza



Pedro J. Bondaczuk


As revelações do economista José Carlos Alves dos Santos acerca do esquema de propinas e de fraudes montado por uma quadrilha de escroques para desviar verbas do Orçamento da União equivaleram, pela sordidez das ações denunciadas, à abertura de um bueiro.

Subitamente, o ar ficou impregnado de mau cheiro, de odor nauseabundo de podridão. Foi a gota de água que faltava – ou espera-se que tenha sido – de uma sucessão interminável de escândalos que vieram a lume nos últimos dez anos.

Foram tantos os casos, como os de falências fraudulentas de instituições que operavam com cadernetas de poupança, de roubos à Previdência, de subornos de ministros, de tráfico desavergonhado de influência etc., que seria necessário um alentado volume, da espessura de uma lista telefônica, para rememorar todos.

Mas o atual, pela quantidade de políticos envolvidos e pelos cargos que estes exercem ou exerciam é, sem dúvida nenhuma, como assinalou o historiador Francisco Iglesias, “o mais grave da história do País em todos os tempos”. Um aspecto positivo disso tudo é a maneira como os formadores de opinião pública estão encarando a questão.

Os vários editoriais e artigos publicados nos últimos dias destacaram a rara oportunidade de se proceder a uma moralização nos nossos costumes. A Comissão Parlamentar de Inquérito (instalada sob um certo clima de ceticismo), para apurar as falcatruas, vem agindo rapidamente, de maneira segura, firme, mas ponderada. Nota-se uma preocupação dos seus membros, mormente do relator da CPI, deputado Roberto Magalhães, e do presidente, senador Jarbas Passarinho (saudável, por sinal) de distinguir entre imoralidade e ilegalidade dos atos praticados pelos que manipularam o Orçamento da União. Tentam delimitar a sutil diferença entre a ilegitimidade e a ilicitude.

Convenhamos, não é justo, e muito menos inteligente, generalizar a corrupção. Afirmar que todos os políticos são “farinhas do mesmo saco”, que não há mais salvação para o Brasil, que cada um deve agir apenas em seu próprio interesse, como se apregoa amiúde, além de não ser prático, não é construtivo. Tal pessimismo é um veneno que conduz facilmente ao derrotismo. Reflete um desencanto em relação às instituições, quando a atitude racional seria agir, mediante pressões, protestos e todos os instrumentos lícitos de exercício da cidadania, para seu aperfeiçoamento.

Alguns editoriais, como o do dia 28 passado, de “O Estado de S. Paulo”, ressaltam, inclusive, um aspecto favorável desse novo escândalo. O da tendência de ele favorecer a política econômica que o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, pretende implantar.

O argumento, sólido por sinal, é que a onda de moralização que varre o Congresso vai contribuir para a redução do déficit público. Em última análise, irá beneficiar o ataque direto às verdadeiras causas da inflação, brecando, num primeiro instante, a sua aceleração para, a seguir, forçar as taxas para baixo.

O importante é que o Congresso se conscientize de que, para adquirir a credibilidade perdida (alguns garantem que nunca a teve), tem a obrigação de ir fundo na apuração das denúncias. E, principalmente, que tudo não se restrinja apenas à investigação. Esta deve vir, necessariamente, acompanhada da respectiva punição dos culpados.

Concordamos, plenamente, com o professor Iglesias quando ele afirma: “Fatos importantes deverão acontecer em breve no País, com uma mudança radical nos costumes políticos e nas penalidades aplicadas aos criminosos de colarinho branco”. Até porque, como observa o antropólogo Roberto da Matta, “é preciso entender que a sociedade brasileira não é um recipiente vazio e que seu povo reage a tudo o que vem de fora e de cima”.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de outubro de 1993)



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