Wednesday, April 27, 2016

EUA exigem fidelidade


Pedro J. Bondaczuk


O empenho norte-americano pela preservação da América Central em sua esfera de influência tem uma explicação lógica e razoável, do ponto de vista de estratégia mundial, embora o que se conteste seja a maneira como os EUA agem para esse fim.

Observe-se o seguinte detalhe: a maior parte do comércio marítimo mundial passa, necessariamente, por 14 pontos principais de estrangulamento, sendo cinco mares interiores, dois canais interoceânicos e sete passagens marítimas críticas.

Os primeiros são, respectivamente: o mar do Sul da China, o Mediterrâneo, o do Norte, o da Noruega e o do Caribe. Os canais são o Suez e o do Panamá. E, finalmente, as passagens marítimas críticas são: o Estreito de Málaca, na Ásia; o Sri Lanka; o chamado Chifre da África, na Somália; o Canal de Moçambique; o Estreito de Gibraltar; o Estreito de Magalhães e a passagem pelo Cabo da Boa Esperança.

Desses pontos geográficos estratégicos no mundo, o que mais preocupação desperta, em Washington, em virtude, principalmente, da contigüidade, é o Canal do Panamá. É por ele que em tempos de paz os produtos norte-americanos da Costa Leste podem ser embarcados, mais economicamente, para os mercados da Ásia. E é através do canal que em período de guerra, a Armada dos EUA tem condições de promover a junção das frotas do Atlântico com as do Pacífico.

Sem o uso dessa importantíssima via de navegação, a passagem de um oceano para outro, por parte de navios norte-americanos, apenas poderia se realizar contornando-se o Cabo Horn, no extremo da América do Sul, acrescentando ao trajeto incômodos e custosos 12,8 mil quilômetros de percurso. Ou seja, o equivalente a quase dois meses de viagem. Pelo canal, o tempo gasto não passa de 10 horas.

Uma América Central hostil, portanto, aos EUA, torna esse país extremamente vulnerável diante da URSS, cuja Marinha foi notavelmente reforçada nos últimos anos. Não faz muito, o major soviético Sergei Yuvorov, escrevendo no jornal “Estrela Vermelha”, das Forças Armadas, destacou essa importância com cristalina clareza. Afirmou, textualmente: “A Zona do Canal (do Panamá) deve ser considerada prioritária pelos soviéticos”.

Isso explica o cuidado demonstrado pela Casa Branca em relação ao avanço das esquerdas na América Central. Mas revela um trágico erro de estratégia. Ao imporem caudilhos títeres, despreparados para o exercício do poder e que apenas governam em proveito próprio, em vez de resolverem um delicado problema de estratégia, criam, na verdade, dificuldades de diversas espécies para o futuro.

A extrema miséria existente na região é campo fértil para aventureirismos ideológicos e para incursões de quem combate o sistema de vida do Ocidente. Não seria mais profícuo, e até mesmo mais sensato e justo, se em vez de se transformar países centro-americanos em imensas fortalezas militares, se desse ajuda econômica a essa gente, para que pudesse promover o próprio desenvolvimento?

Não seria mais inteligente se, em vez de assessores militares, fossem para a América Central médicos, educadores e sanitaristas norte-americanos? Os EUA, se agissem assim, obteriam duplo sucesso: manteriam o continente fidelíssimo à sua ideologia (ninguém destrói um benfeitor) e reduziriam, senão extinguiriam, as constrangedoras manchas de pobreza que se localizam ao próprio redor.

(Artigo publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 17 de novembro de 1984).


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