Tuesday, May 15, 2012

Dívida gera espectro da convulsão social

Pedro J. Bondaczuk

Os problemas econômicos enfrentados pela América Latina, principalmente por causa da sua dívida externa, que no dizer do presidente do Eximbank norte-americano, John H. Bohn, é de um valor tão difícil de contabilizar, que os próprios latino-americanos não sabem a quanto o débito ascende, estão desembocando no desfecho esperado. Numa confrontação social aguda, que coloca em grande perigo, não somente as frágeis democracias da região, mas até mesmo a viabilidade dessas sociedades sobreviverem como Estados organizados, se algo não for feito, rapidamente, para solucionar a questão.

Casos como a manifestação de insatisfação trabalhista, que se verificou ontem, no Equador, tendem a se multiplicar a cada dia, a se reproduzir de um extremo ao outro do hemisfério, numa imensa convulsão, que corre o risco de se tornar incontrolável à medida em que a população regional cresce a taxas absurdamente altas, as carências se reproduzem com uma velocidade estonteante e os modelos econômicos vigentes favorecem a uma acentuada concentração de renda em mãos daqueles que já dispõem de bastante e que, no entanto, não possuem noção alguma do significado e do objetivo da riqueza.

A situação de penúria, neste momento, não é uma prerrogativa equatoriana, embora as aflições desse povo tenham aumentado muito em decorrência de um fator alheio à sua vontade ou de qualquer outro país e absolutamente inevitável, que foi a sucessão de abalos sísmicos que sacudiu quatro de suas províncias, causando prejuízos materiais, em poucas horas de duração, no equivalente a um ano de superávit de sua balança comercial.

Os tremores destruíram cerca de 50 quilômetros do maior oleoduto do Equador, que levou anos para ser construído, às custas de muito sacrifício, fazendo com que seu governo suspendesse as exportações do principal produto de sua pauta: o petróleo. E não somente isso.

Os equatorianos tiveram que partir para uma moratória e ficaram até sem o necessário para fazer face ao próprio consumo de combustíveis, tendo que recorrer à boa vontade da Venezuela, que lhes emprestou uma grande quantidade de gasolina, até que eles reconstruam o que a natureza destruiu.

Dadas as circunstâncias especialíssimas que o país está atravessando, o presidente Leon Febres Cordero, que nunca foi muito popular (venceu as eleições presidenciais de 1984 de forma apertada e somente num segundo turno), foi forçado a adotar medidas sumamente antipáticas, mas indispensáveis no momento.

Emitiu um pacote econômico contundente, elevando os preços dos combustíveis e de diversos gêneros de primeira necessidade, que dependem de importações, para atravessar os críticos cinco meses em que o oleoduto transequatoriano levará para ser reconstruído.

Mas o país já vivia uma crise muito grande antes do desastre natural. Febres chegou mesmo a ser seqüestrado, poucos dias antes dos sismos, num momento dramático, acompanhado com atenção por todos os seus vizinhos, temerosos pelo recrudescimento do fenômeno golpista na América do Sul.

Felizmente a questão foi contornada, não sem alguns arranhões na popularidade presidencial. O presidente, aliás, nem era já tão popular e chegou a ter, até, um pedido de “ïmpeachment” votado no Parlamento equatoriano.

Os tremores de terra apenas agravaram um quadro social à beira da ruptura, multiplicando a penúria dos mais humildes e os levando ao desespero. E nenhuma situação é mais propícia para aventureirismos ideológicos do que esta.

Além do Equador, a Bolívia enfrenta as suas eternas crises trabalhistas, com 2 mil mineiros realizando uma greve de fome. O Chile continua vivendo o seu drama de quase 14 anos, de dificuldades financeiras agravadas com a repressão de um regime que mal permite que as pessoas respirem.

A Argentina passa por momentos críticos, fazendo remendos sobre remendos em seu Plano Austral. O Uruguai convive com um clima permanentemente tenso, bem como o Peru, a Venezuela e o Brasil.

O Paraguai nem é preciso mencionar, embora seus motivos sejam outros, já que a República guarani não deve para ninguém. É necessário, pois, que se abra um sangradouro nessa represa de frustrações e descontentamentos. Caso contrário, a ruptura pode ser inevitável e fatalmente catastrófica.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio popular, em 26 de março de 1987).


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