Monday, July 19, 2010




Vamos em frente

Pedro J. Bondaczuk

A desclassificação do Brasil diante da Holanda, na Copa do Mundo da África do Sul, fez com que me sentisse tentado a interromper abruptamente esta série de testemunhos pessoais sobre os mundiais que tive o privilégio de acompanhar.
Como sou um sujeito muito impulsivo, e tenho consciência dessa impulsividade, resolvi consultar, antes de tomar alguma decisão intempestiva a respeito, alguns amigos de total confiança, sobre se deveria ou não mudar de assunto, já a partir de hoje. Todos foram unânimes em suas opiniões. Convenceram-me que uma coisa (a desclassificação brasileira) não tem nada a ver com outra. Como sou impulsivo, mas não intransigente, resolvi acatar o que os consultados disseram em uníssono. E vou prosseguir.
A decisão, aliás, foi reforçada, na sequência, por um punhado de e-mails que recebi elogiando esses textos reminiscentes. Vaidoso como sou e ávido por mais elogios (que espero vir a merecer) decidi ir até o fim com a descrição dessas lembranças, buscando me esmerar ainda mais nos detalhes. Destarte, esta série será em maior número do que previamente programada. Afinal, quem manda neste espaço é você, precioso leitor, e não eu.
Muita gente acha que a Seleção de 1962 era um grupo coeso, que Aimoré Moreira tinha esse time nas mãos e que tudo transcorreu em absoluta paz do início ao fim do Mundial. Nada mais enganoso e falso. Ressalte-se que o treinador tinha uma virtude que contribuiu muito para o seu sucesso. Era maleável, ou seja, tinha o que costumamos chamar de jogo de cintura.
O jornalista Orlando Duarte – um dos profissionais mais corretos, competentes, ecléticos e argutos que conheci – revelou, anos depois daquele Mundial, uma profunda crise na equipe brasileira que, se não fosse equacionada da forma que foi, a levaria a um grande fiasco.
Na concentração brasileira, na cidade chilena de Quilpué, houve um entrechoque de vaidades às vésperas do segundo jogo do Brasil, contra a Checoslováquia. Bellini, o capitão da Copa de 1958, machucou-se antes da partida de estréia, contra o México. Mauro, seu substituto, entrou em seu lugar e teve um desempenho impecável. Foi perfeito ao longo de todos os 90 minutos. Não perdeu uma só bola, quer por cima, quer por baixo.
Todavia, na véspera do jogo contra os checos, o suposto titular, Bellini, treinou no time de cima. Estava recuperado da contusão. E Aimoré deu a entender que manteria a zaga titular, ou seja, a da final de 1958, com a consequente saída de Mauro.
Pra quê! O central do Santos, que atravessava uma forma exuberante, subiu a serra com o treinador. Contestou veementemente a decisão do técnico. E foi mais longe, disse que abandonaria a concentração e retornaria imediatamente ao Brasil caso deixasse a equipe.
Bellini, muito equilibrado e sóbrio, um “gentleman” na acepção do termo, ajudou a contornar o problema, convencendo Aimoré a manter o mesmo time da estréia, com Mauro em seu lugar. Em outras palavras, o zagueiro do Santos ganhou a titularidade no grito. E jogou uma barbaridade em todos os jogos da Copa, dando enorme segurança à defesa. E mais, foi o capitão brasileiro. E mais ainda: ergueu a Jules Rimet ao final da competição.
Tiro o meu chapéu para o extraordinário Bellini, que deixou a vaidade de lado, pelo bem do grupo. E para Aimoré Moreira, que em vez de punir o zagueiro rebelde, prestigiou-o, por ver em sua atitude manifestação de personalidade, de autoconfiança, de garra e de vontade de vencer.
Imaginem uma crise dessas na Seleção atual, nessa que foi desclassificada hoje pela limitada Holanda! Uma que não vejo no atual grupo ninguém com a mesma personalidade – e principalmente categoria – de um Mauro Ramos de Oliveira. Outra, duvido que Dunga fosse tão compreensivo e sereno como foi Aimoré Moreira.
O incidente de 1962 não causou nenhum racha no grupo. Pelo contrário, uniu-o ainda mais em torno de um mesmo objetivo. Caso estivesse dividido, não superaria os obstáculos que superou na sequência e que foram imensos.
Desmoronaria, por exemplo, após a contusão de Pelé, consensualmente o melhor jogador do mundo na ocasião, que o tirou daquela Copa. Ver-se-ia acovardado com a ausência de Coutinho, que em princípio seria o titular no ataque, por atravessar uma forma esplendorosa, com suas tabelas mirabolantes com o rei do futebol que nenhuma defesa conseguia evitar. Afinaria contra o Chile, num Estádio Nacional de Santiago lotadíssimo, após a expulsão de Garrincha, que vinha “carregando a Seleção nas costas”.
Aquele, sim, foi um grupo com perfil de vencedor. Por isso, venceu! Dizem que era uma Seleção envelhecida. Nem tanto. Havia muitos jovens no grupo. Acusam-na de não ter o mesmo poder ofensivo de 1958. Mas tinha o essencial: garra, técnica e vontade de vencer.

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