Wednesday, March 15, 2017

Líder sem nada de ditador


Pedro J. Bondaczuk


A personalidade do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, suas idéias, o vigor com que ele as defende, enfim, sua figura controvertida, porém simpática, apaixonam a opinião pública. Falar ou escrever a seu respeito com absoluta isenção chega a ser quase impossível.

Seu povo, por exemplo, atribui-lhe todas as dificuldades pelas quais está passando, como se elas não existissem há muito tempo. É como se alguém quisesse culpar o repórter que informou acerca de um devastador terremoto pela ocorrência do abalo sísmico. No outro extremo, em geral do Exterior, há os que defendem Gorbachev com vigor, mesmo discordando de suas idéias.

No âmbito internacional, o principal pecado que seus críticos vêem no presidente soviético é o fato dele não aceitar que qualquer República se torne independente da União Soviética. Mas quem permite isso pacificamente? Qual seria a reação do presidente George Bush se o Texas proclamasse a independência; ou de Helmut Kohl se a Renânia fizesse o mesmo; ou como está agindo a Grã-Bretanha em relação às pretensões da Irlanda do Norte?

Muitos argumentam com o fato de que a anexação dos Estados bálticos ocorreu em conseqüência de um pacto indecente --- por sinal amplamente violado pelas duas partes --- entre os ditadores Adolf Hitler e Joseph Stalin. Mas quantas incorporações territoriais ao longo da história não foram feitas através de ações tão ou mais imorais do que esta e acabaram caindo no esquecimento?

Os adversários de Gorbachev --- e mesmo vários de seus admiradores no Ocidente --- vêem com apreensão os incidentes repressivos de janeiro passado em Vilnius, oportunidade em que 14 lituanos foram mortos, durante ocupação de rede retransmissora de televisão da cidade, por parte de tropas de elite do Ministério do Interior soviético, os temidos "Boinas Negras", uma versão sovietizada dos "Green Berets" norte-americanos. Não se pode deixar de lamentar esse fato. Todavia, afirmar que há uma ampla repressão na União Soviética atual é querer distorcer a verdade.

Qual estadista contemporâneo ocidental, ou de qualquer outra parte do mundo, já enfrentou com tamanha paciência uma greve, como a dos mineiros de carvão da Ucrânia e da Sibéria, de seis semanas de duração, feita principalmente para exigir sua renúncia? E ninguém ouviu falar de nenhuma intervenção militar nos sindicatos independentes, de prisões de líderes grevistas ou de ameaças de demissão em massa.

O mesmo Gorbachev, duramente criticado pelos incidentes de Vilnius, foi acusado de inércia por pseudoliberais quando do conflito étnico entre azerbaijenses e armênios, em fevereiro de 1990, por causa do enclave de Nagorno-Karabach. E as tropas somente foram mobilizadas quando a situação não tinha mais jeito, estava descambando para uma guerra civil.

Quantos estadistas enfrentariam com paciência e compreensão a vaia que Gorbachev recebeu em 1º de maio de 1990, na Praça Vermelha de Moscou, durante o desfile do Dia do Trabalho? O presidente soviético, todavia, compreendeu e aceitou como lição o desabafo popular.

E a manifestação e a conseqüente reação do líder do Cremlin chegaram a merecer, dois dias depois, comentários elogiosos de George Bush, que disse: "Há descontentamento na União Soviética. Mas houve um lado bom no tumulto. É assim que as democracias nascentes funcionam e se desenvolvem. Esse tipo de oposição surge com a democracia. Os soviéticos estão aprendendo".

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 17 de abril de 1991).


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