Tuesday, August 09, 2016

Intolerância abala até a fé


Pedro J. Bondaczuk


A tradição islâmica ensejou a criação de um ditado célebre que diz: “Todos os caminhos conduzem a Meca”, significando que essa cidade saudita, próxima às margens do Mar Vermelho, é o principal pólo de atração dos fiéis muçulmanos.

Desde ontem (intensificando-se no dia de hoje), milhares de peregrinos do mundo todo iniciam a sua romaria anual àquele lugar tão sagrado para um bilhão de pessoas. Os fiéis cumprem um dos desígnios do Alcorão, a Bíblia do Islã, que preceitua essa visita anual.

Os peregrinos partem, movidos pela fé, para a visita à grande mesquita de Al Harã, onde se localiza a Caaba, o lugar mais sagrado e venerado pelos muçulmanos. A peregrinação a Meca, neste ano, contudo, apresenta alguns aspectos um tanto diferentes das de outras épocas, em virtude do agravamento do conflito entre o Irã e o Iraque, que ameaça, cada vez mais, se expandir por todo o Golfo Pérsico, Estreito de Aden, Mar Vermelho e Zona do Canal de Suez.

Pelo ar, os peregrinos correm o risco de se tornarem reféns de fanáticos, como ocorreu com os passageiros do Airbus da Iran Air, anteontem à noite. Pelas águas, têm, diante de si, um Mar Vermelho minado, por obra e graça de algum líder militar maluco, que não tem a mínima noção das conseqüências que o seu ato criminoso pode causar. E, por terra, os obstáculos passam a ser as estradas cada vez mais inseguras e congestionadas.

Em resumo, a intolerância e o fanatismo ideológico chegaram a tal ponto, que nem mesmo a fé é, mais, respeitada, cedendo lugar ao ódio exacerbado e ao ânimo irascível, sempre mau conselheiro, conforme já advertia o sábio rei Salomão, há mais de dois milênios.

Líderes fanáticos tentam construir sociedades retrógradas, onde a religião não passa de mero instrumento de proselitismo político, de uma arma poderosa para, através do medo, a manutenção ilegítima do poder por parte de quem não está preparado para o seu exercício.

Pobre do homem que acaba perdendo a fé e passa a confiar, apenas, no argumento da força bruta. Infeliz daquele que leva sua paranóia a ponto de se esquecer que é mortal, frágil, transitório e passageiro. De não atentar para o fato de que apenas as obras (e mais do que elas, as idéias construtivas que as ensejam) sobrevivem ao tempo e à aniquilação física.

Felizmente ainda existem pessoas fiéis, que crêem em uma força ou entidade superior (não importa a sua religião ou o seu Deus) e que cultivam a solidariedade. Estes são seres muito, muito especiais, especialíssimos, as esperanças de que um dia seja erigido um mundo melhor, sem violências e intolerância. 


(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 9 de agosto de 1984)

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: