Friday, May 27, 2016

Repúdio é da maioria


Pedro J. Bondaczuk


O episódio da liberação do excesso de bagagem da delegação brasileira, que voltou dos Estados Unidos trazendo o tetra, na Alfândega do Aeroporto Internacional do Rio, sem o pagamento dos impostos devidos, embora tenha em si um fato negativo, apresenta, também, um lado bom.

As reações, por parte de vários setores da sociedade, de repúdio a essa atitude e de aplausos à coragem e ao brio do secretário da Receita Federal, Osíris Lopes Filho, são fatos que não se pode desprezar. Na sexta-feira, o "DataFolha" divulgou uma pesquisa dando conta de que em torno de 79% dos paulistanos condenaram a isenção de tributos aos jogadores, responsável por um prejuízo de US$ 1 milhão aos cofres públicos.

Esse fato mostra que os tempos mudaram e que o brasileiro sabe distinguir muito bem as coisas. Acertaram os analistas que previram que, desta vez, ao contrário do que aconteceu em Copas anteriores, a população, em sua grande maioria, não se deixaria levar pela euforia para ser manipulada de novo pelos políticos e por demagogos.

Tudo bem, o Brasil conquistou o tetracampeonato, tão sonhado e ambicionado. Mas esse feito não coloca seus autores acima da lei. Até porque, não foi apenas o futebol que se encheu de glórias. O saudoso piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna, conquistou três campeonatos, mas nunca se soube que tenha tentado entrar com contrabando no País. E muito menos que haja feito chantagem, para que as autoridades fizessem vistas grossas a este tipo de irregularidade ou a outro qualquer.

O mesmo vale para Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi, no automobilismo, ou para a seleção de vôlei masculino, medalha de ouro nas Olimpíadas e campeã da Liga Mundial, ou para o basquete feminino, que antes da Copa dos Estados Unidos havia obtido, brilhantemente, um título inédito e heróico na Austrália.

Em situações como esta, é preciso "dar nome aos bois", como diz o povo. Osíris, em entrevista dada na sexta-feira (22 de julho de 1994), responsabilizou diretamente o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, pelo desembaraço ilegal da bagagem.

Péssimo exemplo para quem aspira à presidência da Fifa, em 1998, em substituição ao sogro. O ex-secretário garante que "os jogadores foram usados pelos cartolas para fazer entrar no Brasil produtos importados sem passar pela Alfândega".

Até concordamos que tenha ocorrido isso. Mas faltou personalidade ao grupo. Não foram eles que disseram, ainda em Los Angeles, que as autoridades não deveriam usar essa conquista para camuflar os problemas brasileiros, como a fome, a violência e o desemprego?

Faltou um líder entre os craques que tomasse a frente dos demais e desse o exemplo, pagando o imposto devido. Osíris ressaltou que, como todo brasileiro, estava feliz com o tetra. Mas que a mesma lei, que valia para os "mortais comuns", foi feita para os "deuses" (mesmo que com pés de barro, acrescentaríamos).

O excesso de bagagem deveria pertencer, mesmo, à comitiva, pois como argumentou o secretário, "a maioria dos jogadores mora no Exterior e não teria necessidade de fazer compras". Será que nos países onde jogam conseguiriam essa liberação "por baixo do pano"? Afinal, alguns deles são campeões nacionais pelos clubes que defendem. Por que haveria o Brasil de permitir?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 25 de julho de 1994).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk         

No comments: