Friday, October 11, 2013

A “Chekov de saias” conquista o Nobel

Pedro J. Bondaczuk

As mulheres estão, de uns anos (recentes) para cá, recuperando o tempo perdido (e põe tempo nisso!), que ascende a milênios de incompreensível sujeição, em que não tiveram seus mais sagrados direitos humanos respeitados. E essa “recuperação” se verifica, praticamente, em todos os campos de atividade. Comprovam, dessa forma, na prática, o que qualquer pessoa minimamente inteligente, sabe de sobejo ou deveria saber: que sua suposta (pelo menos alegada) “inferioridade” é o absurdo dos absurdos. Até porque, competência, sabedoria e em alguns casos genialidade não são questões de sexo.

A prova mais recente dessa “recuperação do tempo perdido” (à revelia delas, claro) ocorreu nesta quinta-feira, 10 de outubro de 2013, em Estocolmo, com o anúncio da concessão do Prêmio Nobel de Literatura a uma mulher: a contista canadense Alice Munro. Destaque-se que ela não estava entre os favoritos das várias casas de apostas da Europa (os europeus e, sobretudo, os ingleses, apostam em tudo). O nome mais comentado era o do eterno candidato, Philip Roth, que, como se vê, mais uma vez foi preterido.

Muitos apostavam, também, na igualmente norte-americana Joyce Carol Oates, no norueguês Jon Fosse, na bielorussa Svetlana Alexijevich, além da argelina Assia Diebar, do húngaro Peter Nadas, do queniano Ngugi wa Thiongo, do checo Milan Kundera, do irlandês William Trevor e do israelense Amos Oz. Foram citados, ainda, posto que com menores chances, os poetas Adonis (sírio), Ko Um (sul-coreano) e Les Murray (australiano). Chegaram a ser cogitados os nomes dos norte-americanos Thomas Pynchon, Margaret Atwood, Don de Lille, Corman McCarthy e até do cantor Bob Dylan. Estes, todavia, não tinham a mínima chance de serem premiados.

É de se notar, entre os principais postulantes, a presença de cinco mulheres, fato raríssimo  em se tratando do Nobel de Literatura e Alice Munro acabou sendo a escolhida, o que comprova a crescente valorização feminina também nas letras, entre tantas e tantas atividades. É certo que, para que haja a para lá de lógica igualdade entre os gêneros, ainda há longo caminho a percorrer. Passos decisivos para isso, no entanto, estão sendo dados, todos os dias e em todo o mundo. Há muito a se escrever sobre a atribuição do prêmio deste ano e temas correlatos, que não poderão ser tratados neste espaço restrito e neste dia, por motivos óbvios. Mas teremos muito “pano para manga”, muito assunto para tratar (o que, aliás, não me falta), nos próximos tempos.

Um ponto importante a ressaltar, até para fundamentar minha tese, é que Alice Munro – chamada pela consagrada contista norte-americana Cyntia Ozick, sua grande amiga, de “Chekov de saia”, em alusão ao mestre do conto mundial, o russo Anton Chekov – constitui-se, apenas, na décima terceira mulher a ser galardoada com o Nobel. As doze anteriores foram: Selma Lagerlof (sueca, 1909), Grazia Deledda (italiana, 1926), Sigrid Undset (norueguesa, 1928), Pearl Buck (norte-americana, 1938), Gabriela Mistral (chilena, 1945), Nelly Sachs (sueca, 1966), Nadine Gordimer (sul-africana, 1991), Toni Morrison (norte-americana, 1993), Wislawa Szymborska (polonesa, 1996), Elfriede Jelinek (austríaca, 2004), Doris Lessing (britânica, 2007) e Herta Müller (alemã, 2009). Convenhamos, é pouco, muito pouco, pouquíssimo.

Observa-se, todavia, notável crescimento de mulheres premiadas a partir da década de 1990. Das treze que receberam o Nobel de Literatura, sete, mais da metade, o conquistaram nesse período. Portanto, fica claríssimo para qualquer observador atento, que “também” as escritoras estão recuperando o tempo perdido. Afinal, as mulheres sempre escreveram bem, mas na hora de serem reconhecidas... sempre prevalecia o maldito preconceito, enfaticamente negado, não raro dissimulado, todavia onipresente.

Alice Munro não é desconhecida no Brasil (seria muito chato se o fosse). Há quatro livros seus, todos de contos, publicados, em português, no País: “Ódio, amizade, namoro, amor, casamento” (2004 e que será relançado em 2014, aproveitando a ocasião), “A fugitiva” (2006), “Felicidade demais” (2010) e “O amor de uma boa mulher” (lançado, recentemente, ainda neste ano). E a Globo Livros anuncia mais três lançamentos da autora para o ano que vem. A principal característica de sua obra, de acordo com os críticos, é que ela, muitas vezes, “se concentra nas fraquezas da condição humana e na diferença entre sua infância na cidade conservadora de Wingham e sua vida após a revolução social dos anos 1960”.

Guardadas as devidas proporções, e levando em consideração a época em que cada uma delas atuou, seu estilo e sua temática são bastante próximos dos de Elvira Foeppel, sobre a qual estamos tratando em nossa série de estudos sobre os principais ficcionistas baianos. A diferença é que uma conta com irrestrito respaldo e ampla divulgação, que a levaram a conquistar (merecidamente, sem dúvida) o Nobel de Literatura. Já nossa rebelde feminista nordestina encontrou praticamente todas as portas fechadas, o que a levou ao desânimo e a abandonar, prematuramente, a Literatura.

Alice Munro chega ao estrelato literário aos 82 anos. Nasceu em 1931 na cidadezinha canadense de Wingham, cenário de diversos dos seus contos (seguiu, portanto, o conselho de Fernando Pessoa, o de “conhecendo sua aldeia, conhecerá o mundo”. É filha de uma professora e um fazendeiro. É divorciada de Michael Munro, com quem teve três filhos, e casada em segundas núpcias com Gerald Fremlin. Sua obra, toda ficcional, já foi traduzida para dez idiomas. Recentemente, resolveu seguir seu “guru literário” e também anunciou sua “aposentadoria” da Literatura. Será que após a conquista do Nobel manterá essa decisão? E você, o que faria no lugar dela, paciente e fiel leitor.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: