Friday, May 06, 2011







Armação ilimitada contra a caretice

Pedro J. Bondaczuk


Os jovens costumam ser bastante competentes naquilo que fazem, principalmente quando se empenham seriamente numa tarefa, em especial quando trocam a sua característica impulsividade pelo planejamento, pela disciplina e pelo talento. É o que acontece num programa que a Rede Globo apresenta uma vez por mês, no “Sexta Super”, chamado “Armação Ilimitada”.
O que foi mandado ao ar, anteontem, por exemplo, numa linguagem descontraída, galhofeira e muito bem-humorada, tratou do problema do índio. Não com o dogmatismo que caracteriza apresentações que visam chamar a atenção do público sobre as grandes questões nacionais e que em geral não atingem o seu objetivo, exatamente por sua sisudez, pela falta de jogo de cintura.
O assunto foi apresentado da maneira que tem caracterizado esse extraordinário “happening” televisivo, que tem suas histórias escritas por Antônio Calmon , Daniel Más, Patrícia Travassos e Vicente Pereira. Ou seja,l tratando problemas sérios com a típica descontração da chamada “young people generation” (geração jovem).
Além do elenco fixo do programa, composto por Kadu Moliterno (Juba), André di Biasi (Lula), Andréa Beltrão (Zelda Scott), Jonas Torres (Bacana), Catarina Abdala (Ronalda Cristina), Francisco Milani (chefe da redação) e Sandra Sá (Black Boy); Paulo José, vivendo o papel de um antropólogo francês, maluco por conhecer nossas raízes culturais e Jorge Dória, encarnando a figura do grileiro, que considera o indígena como sua propriedade particular, deram maior colorido ao tema.
Na apresentação de sexta-feira (como ademais nas outras), deve ser destacado o excelente trabalho de edição realizado por João Paulo de Carvalho, Luiz Henrique e Ronaldo Ferreira. Principalmente na montagem dos desenhos com os dinossauros, quando do ataque do “Armação Ilimitada” à aldeia turística montada pelo explorador dos índios.
Foi uma obra-prima de técnica, competência e de arrojo, bem dentro do espírito que norteia essa bem-humorada série. Edição, para quem não sabe, é a montagem das melhores imagens do teipe. Quando algo é filmado, são feitas várias tomadas, nem sempre (ou quase nunca) seguindo uma seqüência lógica. Ademais, as filmagens, em geral, estouram, em muito, o tempo reservado para o programa.
O trabalho do editor é escolher as melhores tomadas, colocá-las na ordem do roteiro e ainda não ultrapassar um único segundo do previsto. Quase nunca, no entanto, esses profissionais têm os seus trabalhos reconhecidos pelos críticos de TV. Mas sem eles, muitas novelas de sucesso, shows e programações humorísticas perderiam o sentido e não teriam o sucesso que têm.
“Armação Ilimitada”, que tem a direção de Guel Arraes e Antônio Calmon, veio preencher dois espaços vagos na televisão: o dos jovens, que ficaram privados da exposição do seu modo típico de vida nesse meio de comunicação desde que acabou o não menos excelente “Ciranda, Cirandinha”, que ía ao ar, também na Globo, no início desta década. E do seriado que foi o maior sucesso do vídeo, provavelmente de todos os tempos, “O Bem Amado”.
Apenas que as peraltices do prefeitão Odorico Paraguaçu, o político sem caráter que encarna muitos dos costumes nacionais, foram trocadas pelos grilos de Lula, Juba e Bacana. As indiscrições e pecadilhos secretos das irmãs solteironas foram substituídos pelas vacilações, conquistas e concessões de Zelda Scott, em sua luta pela igualdade entre os sexos. As criancices de Direceu Borboleta cederam espaço às tentativas de auto-afirmação da criança dos nossos tempos, mais informada e com mais iniciativa, na figura do Bacana.
Trata-se, por isso, de um programa que, mesmo feito para agradar mais a juventude, acaba, na verdade, divertindo, tanto quanto a ela, aos mais velhos, que não podem deixar de se deliciar com as enrascadas em que os personagens da “Armação” se metem, envolvendo o natural e o sobrenatural, o novo e o antigo, o careta e o avançado. O programa é, por isso, o maior antídoto contra a caretice.

(Artigo publicado na página 18, Variedades, do Correio Popular, em 14 de junho de 1987).

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