Thursday, February 11, 2010




Exercitando os neurônios

Pedro J. Bondaczuk

A necessidade de produzir textos diariamente pode se constituir em excelente treino para se melhorar o estilo, tornando-o mais claro e objetivo, mas, ao mesmo tempo, nos traz o risco de se constituir em uma perigosa, se não fatal armadilha.
Não é todo o dia que temos idéias brilhantes, humor estável e paciência para escrever. Quando não temos a obrigação de redigir coisíssima alguma nessas ocasiões, até por prudência, nos poupamos.
Mas... e quando não podemos fugir dessa obrigação? O que acontece, por exemplo, a um editorialista de jornal se chegar para o seu chefe e disser: “Hoje não estou disposto, acordei mal-humorado e não vou escrever o editorial”? Nem é preciso ser muito inteligente para concluir que será demitido.
Ademais, se não é todo dia que o redator acorda disposto, bem-humorado e com idéias claras (o que muitos classificam de “inspiração”), o mesmo ocorre com o leitor. Determinados textos que lemos, quando nosso humor está em baixa, e que consideramos uma “droga”, quando lidos tempos mais tarde, com humor mais leve, se revelam excelentes e reveladores.
Por isso, é até uma sacanagem muito grande com quem escreve julgar a sua produção depois de apenas uma leitura apressada, não raro de menos de um minuto, sem atentar para as nuances do que escreveu, e, ainda mais, num “daqueles” dias.
Por que exigirmos dos outros que sejam brilhantes o tempo todo, se nós não conseguimos ser assim? Por que esperar do escritor que escreva, todos os dias, um “Dom Casmurro” ou uma “Divina Comédia”? Não há gênio que consiga fazer isso e, mais, que agrade, simultaneamente, “a gregos e troianos”.
Escrevo muita bobagem, sim, mas quem não escreve? Todavia, também produzo páginas de qualidade, caso contrário, não gozaria do prestígio que gozo junto a alguns milhões de pessoas que nunca me viram, dificilmente verão e que me reconhecem pela minha obra, e não por eventual simpatia, ou beleza ou seja lá o que for.
Ainda assim, com todo esse risco citado, defendo que o escritor escreva todos os dias, sim, mesmo naqueles em que não se sinta disposto, não esteja bem-humorado e não tenha a menor vontade de escrever.
Corre o risco de ser repetitivo? E daí?! Qual o problema de se repetir? Afinal, qualquer treinador de atletas, não importa de que modalidade, sabe e diz amiúde: “só a repetição nos aproxima da perfeição”.
Faço, da auto-obrigação de todos os dias produzir nem que seja simples crônica uma espécie de “academia de ginástica”, em que eu me exercito. Mas não exercito, óbvio, meus músculos, pois estes não têm mais jeito. Exercito meus “neurônios”.
Reitero que ninguém que tenha a obrigação de escrever todos os dias consegue a proeza de ser brilhante, ou mesmo razoavelmente bom, o tempo todo. Vejam os jornais. Há edições que são chatérrimas, mas ainda assim precisam ir para as bancas, para atender compromisso assumido com os assinantes. As “interessantes”, na verdade, são raras. O mesmo ocorre com revistas, com sites, com blogs e vai por aí afora.
O processo de comunicação não é feito tendo gênios nos dois extremos, ou seja, emissores e receptores. São pessoas comuns, certamente melhor informadas que a imensa maioria, mas sujeitas a tropeços e cochilos, a dias de indisposição e de mau-humor, ao tédio e às preocupações comezinhas que a vida impõe a todos.
Não pensem que não haja momentos em que me questiono sobre a validade de manter blogs na internet e me expor diariamente ao ridículo. Não sou masoquista. Aliás, detesto sofrimento, seja de que espécie for.
Sou um cara de bem com a vida e gosto de sorrir, de amar, de brincar, de tecer amizades e de viver. Há dias (hoje, por exemplo) que não tenho a mínima vontade de escrever. Mas tenho compromisso. E quando me comprometo com alguém, ou alguma causa, movo céus e terra para honrar o comprometido, esteja com vontade ou não, disposto ou indisposto, distribuindo sorrisos ou cuspindo marimbondos.




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