Saturday, January 31, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O universo é trágico ou cômico? É benigno ou maligno ao homem? A resposta mais convincente que encontrei para esta questão foi a dada por Carl Sagan, que o considera “indiferente” ao ser humano. Não foi nem criado para o usufruto dele e muito menos à sua revelia. Se atentarmos bem, existe no universo um lado que pode ser considerado cômico. Para isso, todavia, temos que ter irrestrita confiança em nossas crenças, o que nem sempre (ou quase nunca) é possível. Por mais que afirmemos crer, de maneira absoluta, em alguma coisa, isso não é rigorosamente a expressão da verdade. Sempre nos resta uma pontinha de dúvida, por mínima que seja, o que é normal. Anormal é não acreditar em nada, mesmo no que é óbvio, claro e cristalino. Não consigo entender, por exemplo, os que se confessam ateus, tendo diante dos olhos esse universo grandioso, com leis inflexíveis e exatas, frutos de uma sabedoria superior e inigualável. Tenho pena desses tolos e arrogantes.

Verdade


Pedro J. Bondaczuk

Que mistério infinito, sedução
tão doce é esta vida assaz azeda...
Mesmo vagando em meio à multidão,
findar só, nesta insólita vereda...

Na m'ia infância infeliz e já distante
deixei meus sonhos, hoje feitos dores.
Sigo, inútil, pela estrada, hesitante,
das saudades colhendo as murchas flores...

Este vazio, esta claridade
que varrem, põem a nu, minha alma impura,
com seu frígido toque de verdade,

revelam que, encontra quem procura.
Um dia findarei, mas com doçura,
hei de morrer, amando a humanidade.


(Soneto publicado na "Gazeta do Rio Pardo", em 12 de janeiro de 1969 e no "Jornal do ACP" de Paulínia, em 8 de novembro de 1969).

Friday, January 30, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Arte e ciência são as duas maiores e mais refinadas formas de expressão do espírito humano. A primeira, caracteriza-se, sobretudo, pela subjetividade, ao contrário da segunda, que é, essencialmente, objetiva. Ou seja, o cientista só afirma o que pode comprovar em laboratório. Ao contrário do que muitos supõem, contudo, as duas atividades não são excludentes. Uma só pessoa pode ser, simultaneamente, artista e cientista. Nada a impede, a não ser o talento e o gosto. Há quem nasça com essa dupla vocação (e são muitos). Alguns (a maioria) optam por uma das duas. Outros, no entanto, exercem, com a mesma desenvoltura, as duas atividades, sem que haja conflito entre elas. Posso citar, de repente, sem precisar pensar muito, neste caso, Isaac Asimov (autor de inúmeras histórias de ficção científica), Carl Sagan e até Albert Einstein. Tudo é possível para um espírito especulativo e criador. Desde que, claro, queira e se esforce para isso..

Colorido a gosto


Pedro J. Bondaczuk

Os hábitos que formamos, quando não nos são prejudiciais e não prejudicam a ninguém, se incorporam à nossa personalidade e ser tornam, muitas vezes, uma espécie de distintivos nossos, de algo que nos caracteriza em meio à massa. Escrevi, certa feita, em uma crônica, que tenho muitas manias. Talvez tenha sido severo em demasia em relação aos meus costumes e devesse ter afirmado que cultivo inúmeros hábitos.
Um deles, por exemplo – que é um tanto recente, mas que já se incorporou em definitivo ao meu dia a dia – é o de ouvir canções que aprecio antes de iniciar qualquer texto, não importa se crônica, poema, conto ou ensaio. Mas atentem: ouço-as “antes”, não durante ou após havê-los redigido. Durante a redação, não admito nada que me interrompa o fluxo das idéias: nem telefone, nem música (por mais que a aprecie), nem conversas ao redor etc. Nada disso. Não admito, em hipótese alguma, me distrair. Quando estou concentrado, é como se estivesse em transe.
A música, portanto, serve-me não como inspiração, no que não acredito (isso não existe), mas como espécie de “despertadora” da memória. Principalmente quando cantadas, as letras das canções, invariavelmente, me fornecem o gancho de que preciso para iniciar o que me proponho a escrever. Depois... é só deixar por conta da memória, já que uma idéia puxa outra, e mais outra, e mais outra, e mais outras tanto e, quando me dou conta, lá está a crônica do dia pronta, à espera, apenas, da revisão final.
Na época em que trabalhava nas várias redações, dos tantos jornais por que passei, isso não era possível. Os textos tinham que sair, mesmo, a seco, sem nenhum empurrãozinho extra que fosse. E não podiam tardar, já que havia rígido e inflexível dead-line a cumprir. Agora, que tenho um gabinete de trabalho racional e confortável (poderia até fazer pose e afirmar que é de luxo, pois é mesmo), posso me dar a esse prazer estético sem nenhuma restrição. Daí, este hábito ser relativamente recente, de somente onze anos, se tanto.
Antes de iniciar esse nosso bate-papo descontraído e diário (ou quase), ouvia, baixinho, para criar um clima mais intimista, a magnífica composição de Joubert de Carvalho, “Minha Casa”, gravada, em 1946, por Sílvio Caldas, o “Caboclinho Querido”, no selo Continental. A canção suscitou-me inúmeras recordações, das várias residências que habitei, cada qual com seus “fantasmas”, ou seja, memórias, reminiscências, lembranças.
Nesta, por exemplo, morei quando saí de São Caetano do Sul, para tentar a sorte em Campinas. Naquela, residi depois que me casei e onde nasceram minhas duas primeiras filhas. Naquela outra, habitei quando recebi a primeira promoção no Correio Popular. Na anterior à atual (ou uma das anteriores), nasceram meus dois últimos filhos. E assim por diante.
Uma recordação puxava outra e, de repente, não mais do que de repente, me dei conta do quanto nossa casa nos é importante. Não apenas como abrigo contra as intempéries, sua função primordial, e nem como símbolo de status, mas como lugar em que estabelecemos nosso mundinho restrito e particular e como cenário (um deles, claro) dos episódios que findam por erigir a nossa biografia.
Como uma lembrança puxa outra, lembrei-me de determinada afirmação da atriz, roteirista e escritora fluminense (na verdade, carioca, já que nasceu na cidade do Rio de Janeiro), Maria Lúcia Dahl (irmã da famosa figurinista de Rede Globo, Marília Carneiro), que constatou: “O passado é como um filme preto e branco que a gente colore do jeito que quer”. O meu, pinto nas cores mais alegres que conheço, sem quaisquer tons escuros ou cinzas, pois traz-me uma saudade imensa, que em alguns momentos torna-se quase insuportável!
Embora não a conheça pessoalmente, gosto desta mulher altiva e inteligente. Li, recentemente, a crônica “Minha geração de sonhadores”, de Maria Lúcia Dahl, e emocionei-me com suas palavras. Aliás, vários dos seus textos me causaram gostosas emoções, além de prazer estético. Cito este, em particular, porque faço parte dessa geração idealista e sonhadora que ela menciona e que mudou (creio que para melhor) inúmeros comportamentos sociais, pulverizando preconceitos hipócritas e acabando com práticas idiotas e sem sentido..
Para encerrar este papo descompromissado (e meio sem nexo), nada melhor do que reproduzir o que o suscitou. Ou seja, a imortal letra de Joubert de Carvalho para a canção, perpetuada por Sílvio Caldas (a quem tive o privilégio, o prazer e a honra de conhecer pessoalmente, aliás, natural da cidade de Atibaia, aqui pertinho de Campinas, onde resido) “Minha Casa”:
“Foi num dia de tristeza/que cidade abandonei/na esperança de encontrar/pela vida algum prazer,/alegria em algum lugar.//Lá no alto da Tijuca/tenho um sítio bem florido/onde agora estou morando,/com os pássaros em festa,/de galho em galho, cantando,/adentro, pela floresta.//Minha casa é tão bonita/que dá gosto a gente ver/tem varanda, tem jardim,/inda agora estou esperando,/uma rede para mim,/a embalar de quando em quando!//Minha casa é uma riqueza/pelas jóias que ela tem,/minha casa que tem tudo,/tanta coisa de valor,/minha casa não tem nada,/vivo só, não tenho amor!”
Peço licença ao leitor para fazer uma última e indispensável ressalva (até por questão de justiça em relação às pessoas que amo). A letra de Joubert de Carvalho tem muito a ver comigo, de fato, mas não tudo. É verdade que “minha casa é uma riqueza, pelas jóias que ela tem, minha casa que tem tudo”. Todavia, ao contrário do que o compositor diz, no encerramento da sua inspirada composição, “não vivo só” (felizmente) e, sobretudo, tenho muito amor! No mais...

Thursday, January 29, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O escritor (como, ademais, qualquer artista ou profissional) precisa ser organizado, se quiser escrever algo que realmente seja valioso e o sobreviva. Há um ditado popular, muito sábio, por sinal, que diz: “da desordem das coisas, vem a desordem das idéias”. E vem mesmo. É necessário organizar ambos, até para não se perder. Se, por exemplo, o escritor não sabe onde estão os meios de consulta (livros, anotações, artigos etc.) ao seu dispor nas horas de necessidade, na hora em que lhe bate alguma dúvida (e todos temos esses momentos de “apagão mental”), não saberá como a dirimir. Não raro, acaba por desperdiçar uma boa idéia, que iria enriquecer e valorizar seu texto, só por não conseguir se organizar. Ademais, caso não encontre à mão as ferramentas da sua atividade (computador, caneta, bloco de papel, agenda) não poderá construir a obra que tem em mente. E essa organização o escritor deve levar, sobretudo, para o seu texto (e, claro, para a sua vida)..


Consciência e experiência


Pedro J. Bondaczuk

A exata percepção de todas as informações que recebemos (não importa por quais meios) – de tudo o que fazemos, do que nos fazem e, enfim, do que nos acontece ao longo da vida e se constitui no nosso acervo de experiências pessoais – e a sua conseqüente fixação na memória, é o que se convencionou chamar de consciência. A maioria das pessoas não sabe o que fazer com a maior parte do que aprende.
Determinados indivíduos, por exemplo, cometem, sempre e sempre, os mesmos erros e afrontam, claro, as mesmas conseqüências, sem que se decidam a mudar de atitude. Sofrem porque querem. Teimosia? Talvez! Essas pessoas são incapazes de perceber que agindo da forma que agem, não chegarão a lugar algum. Quase nunca chegam.
Sabem o que é certo, mas não o praticam. São experientes, no entanto, não são conscientes. O que é mais importante para nós, o conhecimento ou a experiência? Claro que ambos. Mas, digamos que tenhamos que optar por um dos dois. Eu optaria, sem pestanejar, pelo segundo.
Conhecimento eu posso obter (e obtenho) por vários meios, como pela leitura, por exemplo, ou por conversa com os amigos ou com pessoas cultas, ou por ver determinado objeto ou testemunhar um fato importante, que adquira, com os anos, caráter histórico, etc., sem que precise me expor pessoalmente.
Todavia, quando “vivo” essas situações, que poderia conhecer pelas formas mencionadas, elas se fixam para sempre na minha memória. E mais, se incorporam, de vez, ao meu cabedal de vida. Resta, no entanto, saber o que fazer com esse conhecimento obtido, não raro, de forma até traumática.
Caso tenhamos errado, ao passar por essas experiências, e sofrido as devidas conseqüências, manda o bom-senso que se analisem tanto a natureza, quanto a extensão e, principalmente, a causa dos erros cometidos. E que eles não mais de repitam. Não é (como afirmei) o que acontece sempre. Às vezes “memorizamos” a experiência, mas não nos tornamos conscientes dela.
Trata-se (sei) de tema complicado para o entendimento. Espero, todavia, estar sendo claro nesta explanação. Quanto mais cedo nos tornarmos experientes – no trabalho, na convivência social, nos relacionamentos afetivos etc. – maiores serão nossas chances de êxito na vida. Contudo, para isso, teremos que nos expor. É necessário agir, participar, fazer e desfazer e, claro, correr riscos. Certamente tropeçaremos muitas vezes. Teremos muitas decepções. Sentir-nos-emos impotentes e frustrados vezes sem conta. Mas, certamente, nos tornaremos experientes.
E quanto mais conseguirmos transformar um vasto cabedal de experiência em consciência, quanto mais cedo isso acontecer e, principalmente, quanto mais o usarmos em nosso proveito, maiores chances teremos de evitar aborrecimentos inúteis e desnecessários e de evoluir na carreira – quer profissional, quer artística, quer esportiva, e, por conseqüência, na vida – sem sustos e nem sobressaltos.
O irônico é que, via de regra, nos tornamos experientes (e conscientes) quando tudo isso já não nos traz muito proveito. À medida que envelhecemos, escasseiam nossas oportunidades, até por questão de preconceito e, por isso, não podemos mostrar ao mundo o que aprendemos com nossa longa vivência. Uma pena! Um vasto potencial de grandes realizações acaba desperdiçado apenas porque alguém (certamente jovem) entende que juventude seja sinônimo de sabedoria. Muito pelo contrário. E essa atitude insensata e preconceituosa, convenhamos, é imensa tolice.
Algumas pessoas passam o resto de suas vidas ruminando de como seria sua trajetória se pudessem aplicar (no trabalho, na convivência e nos relacionamentos) tudo o que aprenderam, de maneira muitas vezes rude e traumática. Tornam-se amargas, ácidas, críticas e se isolam do mundo, condenadas a uma velhice penosa e solitária. Outras tantas (raras), porém, têm a oportunidade de pôr em prática esse aprendizado. E quando não têm, buscam-na, batalham por ela, constroem-na. Por isso, são úteis, produtivas e, sobretudo, exemplares até o derradeiro dia de vida.
O escritor francês, André Malraux, constatou, a esse propósito, num de seus tantos ensaios, em forma de indagação (cuja resposta nos é, sobretudo, óbvia): “O que pode um homem fazer de melhor de sua vida que transformar em consciência a mais ampla experiência possível?”. Ademais, podemos fazer pouca coisa, além disso.

Wednesday, January 28, 2009

REFLEXÃO DO DIA


As obras de arte do passado, que sobreviveram às comoções políticas e sociais (como guerras, saques e destruição) e às múltiplas catástrofes (naturais ou provocadas pelo homem) são vozes de além-túmulo a nos testemunhar como eram, o que fizeram e como viveram nossos remotos ancestrais. Muita coisa, diria a maioria, se perdeu no tempo, privando-nos de preciosas informações sobre nossas origens. E esse mal é irremediável. O que se perdeu, é irrecuperável. Mas o pouco que restou tem duplo valor: o artístico e o documental. Essas obras são as mais confiáveis fontes em que o historiador contemporâneo pode “beber”, para nos trazer relatos razoavelmente precisos sobre povos, heróis, vilões, santos e tiranos dos primórdios da civilização. A “Ilíada” e a “Odisséia”, de Homero, nos falam, por exemplo, de como eram os gregos dos tempos heróicos. O mesmo ocorre com a “Eneida”, de Virgílio, sobre os romanos. São vozes de além-túmulo a nos instruir e orientar.

Os tempos do bem


Pedro J. Bondaczuk

O bem (a exemplo do mal) gera efeitos duradouros que não se restringem, apenas, ao presente, mas abrangem o passado e o futuro e nos sobrevive, para muito além da nossa morte. Muitos não se dão conta disso e não medem seus atos, achando que seus efeitos serão efêmeros passageiros. Entendem que, se forem bons, causarão satisfação momentânea, e se maus, logo serão esquecidos, mesmo que sobrevenha alguma punição em represália ou que a vítima perdoe a maldade praticada.
As coisas, contudo, não ocorrem dessa maneira. Nossas ações produzem efeitos incessantes e duradouros, que independem do tempo. Entre causar mágoas e rancores que talvez jamais se apaguem e beneficiar o próximo, mesmo que este sequer demonstre gratidão, é óbvia a escolha mais sensata que devemos fazer. Hoje, em vez de brandir contra os que praticam o mal, vou celebrar os que optam por fazer o bem.
Gosto dos idealistas, daquelas pessoas que sabem o que querem, que põem à frente um objetivo, bastante refletido e factível, e não se limitam a desejar. Saem em busca do que pretendem e não cedem um só milímetro do terreno conquistado, diante dos obstáculos que certamente encontram, seja de que tamanho e natureza forem. Têm convicção do que desejam. Têm garra para chegar onde pretendem. E mesmo que não tenham sucesso, sempre acham que a luta valeu a pena.
Mais do que dos idealistas, gosto dos que são solidários. Mas dos dotados daquela solidariedade anônima, longe dos holofotes e dos refletores, que se satisfaz com um mero sorriso de quem foi beneficiado, se tanto. Há (felizmente) muita gente abnegada, que sem ser obrigada a tal por nenhum compromisso formal, despende tempo e dinheiro para minorar o sofrimento dos excluídos.
Conheço pessoas que, por sua conta e risco, oferecem, por exemplo, diariamente, sopa a moradores de rua. E não falham um único dia. Não menciono seus nomes porque elas não querem divulgação. Não fazem alarde do seu nobre gesto, que consideram como “obrigação” e não ato de caridade. E, em vez de se sentirem gratificadas, sentem-se, via de regra, frustradas por ajudarem “tão poucos”.
São pessoas, destaque-se, que não contam com a mínima ajuda nem de particulares e muito menos do Poder Público, ao qual cabe a tarefa de impedir a existência de tanta gente que não dispõe de condições para assegurar não três, mas sequer uma refeição diária, num País de tanta abundância. Não estão ligadas a entidades de assistência social, a igrejas e nem a organizações (nacionais ou internacionais) de benemerência. Fazem o que fazem por sentirem necessidade de agir assim. Pouca gente (a não ser os beneficiados) ao menos sabe da sua existência. E elas sentem-se bem assim.
Conheço enfermeiras formadas, com diploma da Faculdade de Enfermagem e com várias especializações que, nos raros instantes que poderiam dedicar ao descanso, após exaustivos plantões em hospitais, ainda encontram tempo para assistir os sem-teto. Prestam-lhes os primeiros socorros nas doenças simples que os acometem, providenciam-lhes internações nas graves, fornecem-lhes vitaminas e, de quebra, fazem-lhes a higiene pessoal, providenciando corte de cabelos e arranjando lugar para que possam tomar banho. Enfim, tornam menos sofrido seu imenso sofrimento.
Ah, o leitor não conhece nenhuma que faça isso? Eu conheço, e várias! Indago a esses céticos: “vocês, pelo menos, atentam, sem preconceitos (ou sem nojo, que é a atitude mais comum face aos excluídos) para os moradores de rua?” “Consideram-nos humanos, o que de fato são?” “Já pararam algum dia para apenas conversar com algum deles (já nem digo para ajudá-los), sem o pretexto do ‘medo de serem assaltados’”?
Claro que não! E se não viram a multidão que precisa ser ajudada, certamente não toparam com as raríssimas pessoas abnegadas e altruístas que a ajuda. Não viram porque não querem ver. Ademais, reitero, o que mais esses seres humanos iluminados e raros detestam é de publicidade. Todavia (felizmente) existem.
Antonio Vieira, em magnífico sermão pronunciado na Capela Real de Lisboa, chegou a esta conclusão a propósito: “O bem ou é presente, ou passado, ou futuro: se é presente, causa gosto; se é passado, causa saudade, se é futuro, causa desejo”.
Estes preciosos e abnegados altruístas, que têm as melhores características que um ser humano pode ter – aos quais admiro e, sobretudo, invejo (já que sou incapaz de agir com tamanho altruísmo e tanta coragem) – são abençoados (justamente, é óbvio) com os três tempos da bondade que praticam: sentem-se gratificados pelo que fazem (embora um tanto frustrados por não poderem fazer mais). Deixam saudades nos corações dos humildes quando, por alguma razão, não podem mais se dedicar a eles. E, sobretudo, causam desejos em outras pessoas de boa-vontade de também praticarem o bem com os seus exemplos. Pena que sejam tão poucos...

Tuesday, January 27, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O talento, sozinho, não basta para fazer de uma pessoa um artista admirado e de sucesso, um desportista vencedor ou um profissional reconhecido e disputado pelo mercado. Claro que ele ajuda, mas requer algo tão importante, ou mais, do que sua mera potencial habilidade para qualquer atividade: o exercício. Artistas, desportistas e profissionais são frutos de horas e mais horas de estudos, de treinamentos, de dedicação integral ao que fazem ou querem fazer. Alguns especialistas sugerem que 10 mil horas de exercício habilitam o sujeito talentoso para conseguir o que almeja. Não sei se de fato é possível mensurar esse treinamento necessário. Pode ser que para alguns, as horas despendidas na preparação sejam menos do que isso e, para outros, bem mais. A verdade é que, sem essa dedicação integral ao que se escolheu para fazer, o fracasso e a frustração são previsíveis, se não fatais. O sucesso nunca cai, prontinho, do céu no colo de ninguém.

Construtores anônimos


Pedro J. Bondaczuk

Os verdadeiros construtores das grandes obras, muitas das quais permanecem intactas milênios após serem construídas, desafiando o tempo e o desgaste natural que este provoca, sempre foram, via de regra, anônimos. A maioria foi mão-de-obra escrava. Fez o que fez por não ter liberdade de não fazer. Isso, no aspecto material.
No moral, na criação de valores, que deram ordem e sentido às comunidades, não importa se aos clãs primitivos, ou às aldeias, cidades e metrópoles, isso também se verificou, embora um ou outro desses eminentes pensadores tenham marcado seus nomes na história e saibamos de quem se tratava.
Costumo perguntar, amiúde, em tom desafio aos leitores: quem foi o primeiro homem que descobriu como gerar o fogo? Ninguém sabe. Todavia, tratou-se de descoberta fundamental, absolutamente revolucionária nos primórdios da humanidade. E quem inventou a roda? É desnecessário destacar o que essa invenção proporcionou em termos de facilidades e, portanto de progresso. Todavia, ninguém sabe quem foi o autor da façanha.
No que diz respeito às grandes obras materiais, a história registra quem foi que decidiu que fossem erigidas. De uma ou outra (raríssimas), conhecem-se os autores dos projetos. Mas dos operários que as construíram... Nada... A história não traz a menor referência sobre quem foram, como eram, de que forma viviam, do que gostavam etc. Contudo, sem a força dos seus músculos, nenhuma delas sairia sequer do plano da idealização, quando não da mera fantasia.
Veja-se, por exemplo, o caso da Muralha da China. Diz-se que é a única obra humana que pode ser vista do espaço, da Lua. Não posso garantir que seja verdade, pois o máximo de altura que já atingi foi a obtida por um Boeing (creio que 10 mil metros, ou em torno disso). Admitamos, porém, que seja verdade (também não tenho motivos concretos para duvidar).
Essa obra monumental, que causa assombro em qualquer um, inclusive nos dias atuais, quando a moderna tecnologia opera verdadeiros milagres, levou cerca de dois milênios para ser concluída e ter o aspecto grandioso que hoje tem. Seu idealizador, ou pelo menos o sujeito que ordenou a sua construção, foi o primeiro imperador chinês, Qin Shihuang, por volta de 220 AC. Mas até a memória desse personagem mítico sofreu e devida erosão do tempo. Tanto que o seu nome é registrado de diversas formas diferentes, como: Qin Shi Huangdi, Chin Che Huang Ti, Shin Huang-Ti, Shi Huangdi, Shin Huang Ti, Shi Huangdi ou Tchi Huang-Ti. Afinal de contas, qual era, mesmo, o seu nome? Ninguém sabe.
A ciclópica obra atingiu, somente, todo o seu esplendor atual cerca de dois mil anos após iniciada, no século XV da nossa era. E desconhece-se quem foi que comandou sua conclusão. Sabe-se, apenas, que foi um imperador da Dinastia Ming. Quanto aos operários que a construíram... Não se conhece um único nome, dos estimados um milhão de trabalhadores que participaram dessa extraordinária empreitada. A história registra que cerca de 250 mil trabalhadores morreram nesse magnífico esforço. Os corpos da maioria foram utilizados como “material de construção” e ficaram sepultados sob toneladas de terra, madeira e pedras. Mas quem foram eles? Como eram? Por que foram escravizados? Ninguém sabe e jamais irá saber.
Para erguer a Muralha da China, foram empregados cerca de trezentos milhões de metros cúbicos de materiais (entre os quais se incluem os restos mortais de cerca de 250 mil trabalhadores). Esse volume, para que o leitor tenha uma idéia, seria suficiente para erguer 120 pirâmides de Quéops. Ou um muro, de dois metros de altura, em torno da linha do equador terrestre. A Muralha da China tem extensão superior a sete mil quilômetros. Todavia, ninguém sabe o nome de sequer um único dos operários que se empenharam na sua construção.
O mesmo acontece com tantas e tantas e tantas obras monumentais. Como as pirâmides do Egito, por exemplo, ou as da América Central. São conhecidos os faraós aos quais serviram de túmulos (ou os reis maias, aztecas ou sejam lá quais povos pré-colombianos que as erigiram no México, Guatemala etc.). Mas a história não registra o nome de um, um único e solitário trabalhador que tornou essas fantasias possíveis.
Essa constatação desfaz, na prática, a crença expressa pelo economista norte-americano (ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Atômica dos EUA e, antes, da Tennesse Valley Authority, a TVA), David E. Lilienthal (não sei se sincera ou meramente retórica), que por algum tempo também foi a minha, mas cuja convicção se vê enfraquecida e começa a se diluir diante da realidade: “Acreditamos no homem não apenas como unidade de produção, mas também como um filho de Deus. Acreditamos que o fim de nossa sociedade não é assegurar primordialmente a 'segurança do Estado', mas salvaguardar a dignidade humana e a liberdade do indivíduo”.
Isso é o que deveria ser? Mas, de fato, é? Não, não e não!!!! É assim que o Estado age? É essa a crença dos que comandam nossos destinos? É dessa forma que os políticos e chefes militares nos encaram? Ou não passamos, para eles, de mera mão-de-obra descartável, de votos para que se elejam, de potente força muscular à disposição das suas fantasias, anônima, sem fisionomia e sem voz? O que você acha (e como, de fato, se sente) meu paciente e fiel leitor?

Monday, January 26, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O homem, por mais que nos doa, é, sobretudo, animal. É dotado dos mesmíssimos instintos dos demais. Não houvesse desenvolvido talentos, através das artes – manuais e espirituais – seu destino, portanto, seria igual ao dos seus companheiros de criação: viveria por viver, brigaria por alimentos, se acasalaria, se reproduziria e depois desapareceria, sem deixar vestígios. Construir uma casa para morar é uma arte. Produzir fogo, artefatos que permitam facilidades como comer, cortar, se defender; cultivar a terra etc. também é. Mas a maior obra de arte do homem, que mudou sua trajetória e destino, foi a invenção da escrita. Através dela, pensamentos, sentimentos, idéias e experiências puderam ser transmitidos de uma geração a outra, até nossos dias. Sem ela, não teríamos a Bíblia, o Alcorão e tantos outros livros fundamentais. A escrita, portanto, foi um dos avanços essenciais que possibilitaram que o homem se tornasse civilizado e produtivo.

Visitas dos pensamentos


Pedro J. Bondaczuk

O homem contemporâneo, ferozmente materialista, obcecado pela conquista de bens materiais dos quais, provavelmente, sequer terá tempo de usufruir, dá cada vez menos valor à reflexão, ao indispensável (e por ele temido) encontro consigo mesmo. Como conseqüência, decresce a quantidade de seus pensamentos e, mesmo vivendo em meio a crescentes multidões, num mundo superpovoado (que caminha para sete bilhões de habitantes) e crescentemente hostil, sente-se cada vez mais solitário e vazio. Não conta, sequer, com a “própria” companhia.
Meditar é um hábito, que se deve desenvolver desde a mais tenra idade. É uma espécie de treino para o cérebro. As pessoas preocupam-se, cada vez mais, com o corpo. Freqüentam academias, contratam profissionais para lhes dar orientação sobre a quantidade e intensidade de exercícios que devem fazer para manterem-se em forma, submetem-se a dietas, enfim, cuidam do organismo, para que este se mostre saudável e bonito.
É errada essa preocupação? Claro que não! Afinal, vale a máxima: “corpo são, mente sã”. É evidente que nem todas as pessoas podem se dar a esse luxo. Aliás, ele é restrito à minoria, que conta com renda que lhe permite uma vida confortável e sem grandes (ou nenhuma) privações. Dois terços, dos quase sete bilhões de habitantes do mundo, têm preocupações muito mais imediatas e urgentes: a do almoço de hoje, por exemplo.
É ao cidadão que mora bem; come do bom e do melhor; tem um carrão potente (do ano); conta com polpuda conta bancária; passa férias nos Estados Unidos, na Europa, em Bali ou nas praias do Nordeste ou de Santa Catarina; que tem tempo e dinheiro para cuidar do corpo (não somente dos músculos, mas também da pele, dos cabelos, dos dentes, das unhas etc.) que me dirijo. E por que? Por que sou preconceituoso? Claro que não! Porque é esse o tipo de pessoas que constitui a quase totalidade dos meus leitores, por ter acesso a livros, jornais, revistas, internet, onde divulgo meus textos. Que bom seria se todos os habitantes do Planeta pudessem ter acesso a essas facilidades!!!
A preocupação dessa gente em manter o melhor condicionamento físico possível, reitero, é, não somente prudente como, sobretudo, inteligente. Com isso, tem probabilidade de viver mais e, o importante disso tudo, de ter vida de qualidade. O único senão dessas pessoas é o fato de (salvo raras exceções) não se preocuparem com o principal: a boa forma intelectual. É certo que ainda não existem academias que se esmerem no condicionamento intelectual. E nem são necessárias. Basta que se adquira o saudável, mas cada vez mais raro, hábito da meditação.
Para recebermos a “visita” dos pássaros dos pensamentos, é preciso que criemos um ambiente propício, que lhes seja atrativo. Que não haja risco deles se perderem, o que fará, ao mínimo sinal desse perigo, com que busquem outros lugares para construir seus ninhos. Temos que formar um “estoque” razoável de idéias, o que se faz com boas leituras, com músicas que realmente mereçam esse nome, com freqüência às exposições de arte, com conversas sadias e proveitosas etc. etc.etc. São hábitos chatos? Alguns acham que sim. Esses alienados são irrecuperáveis
Mas o que essa gente privilegiada, que cuida com tamanho afinco do corpo (o que reitero, mais uma vez, é saudabilíssimo e inteligente) faz? Em seus momentos de folga, entrega-se a diversões que sequer são divertidas, para espantar o tédio de suas vidas. Em poucas horas nas boates, danceterias e outros tantos locais semelhantes, que não lhes trazem o mínimo proveito, mas somente despesas e riscos, perdem parte do condicionamento adquirido em semanas de duros e sofridos exercícios, ao se excederem na comida, na bebida, no sexo, quando não recorrendo a drogas.
Os pássaros dos pensamentos jamais visitarão as mentes dessas pessoas. São ambientes hostis, nos quais não resta sequer um único graveto disponível para que possam construir seus ninhos. Dessa forma, suas vidas continuarão tediosas, perdulárias e vazias, caracterizadas, principalmente, pela tola e estúpida ostentação, a despeito do bem-estar orgânico que conquistaram com tanto sacrifício. Exagero? Reflitam e concluirão que não.
Henry David Thoreau escreveu o seguinte a respeito, no ensaio “Caminhando”, publicado em seu livro “Desobedecendo”: “Na Nova Inglaterra temos o hábito de dizer que a cada ano é menor o número de pombos que nos visitam. Nossas florestas não lhes fornecem um bom lugar para pousar. Da mesma forma, talvez, vai diminuindo de ano a ano a quantidade de pensamentos que visitam um homem que vai crescendo, pois destruímos os arvoredos de nossas mentes, para alimentar o fogo útil das ambições ou a fornalha das fábricas e mal sobra um graveto no qual possa repousar uma reflexão. Os pensamentos não mais fazem seu ninho em nossa mente”.
Conservemos, pois, mesmo que escassos gravetos, que permitam que as aves dos pensamentos façam seus ninhos em nossas mentes e corações. Não se esqueça que corpo e mente formam um único e magnífico conjunto, que é o homem. Medite sobre isso, como exercício inicial para desenvolver o saudável e indispensável hábito da meditação.

Sunday, January 25, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O artista, sobretudo o escritor, como qualquer ser humano normal, com um mínimo de raciocínio, aspira à eternidade. Claro que tem consciência da impossibilidade física de chegar a ela. Busca-a, porém, através da sua obra. Se conseguirá ou não alcançar seu ousado objetivo, nunca saberá. Para ter sucesso depende de circunstâncias várias que lhe fogem por completo ao controle. Não depende, sequer, da qualidade do que produziu. Inúmeras manifestações artísticas perderam-se para sempre, ao longo do tempo e da história, em decorrência de guerras, convulsões sociais, catástrofes etc. Quanta coisa espetacular e original não se perdeu, por exemplo, no incêndio da Biblioteca de Alexandria, no Egito?! Ou na destruição da de Nínive! Ou por causas várias, nos mais variados tempos e lugares! A obra de arte, objetivamente, não é eterna. Eterno é o dom artístico, a necessidade do homem de interpretar o que é, sente, faz e tudo o que o rodeia. É esse talento, que se manifesta das formas mais variáveis (literatura, pintura, música etc.) que confere ao artista uma espécie de “miragem de eternidade”. Ela pode vir a se concretizar? Pode! Mas o que produziu pode, também, se perder para sempre e não deixar o menor vestígio em questão de parcos anos. O escritor Gaëtan Picon – autor, entre outros livros, de “O escritor e sua sombra” – escreveu a respeito: “A obra não é eterna, mas a continuidade da criação artística, que a submete ao jogo das revivescências e das metamorfoses, é como uma miragem de eternidade”. E não é?!

DIRETO DO ARQUIVO


Crise constante


Pedro J. Bondaczuk


A República de Honduras, país que é o segundo em território da América Central e o mais pobre desse continente (já por si só miserável) vive outra de suas periódicas crises, com o confronto entre o presidente Roberto Suazo Córdova e as Forças Armadas.

Isto é sintomático, quando se sabe que este é um ano de eleições presidenciais para os hondurenhos, que ficaram, até 1982, 50 anos sem escolher, através das urnas, um governante. O pleito deve ocorrer em novembro próximo e o fulcro da atual crise é justamente um dos possíveis candidatos presidenciais, o juiz do Supremo Manuel Arita Palomo.

Aliás, até que demorou bastante para os militares arranjarem um pretexto contra o governo do médico Suazo Córdova, que conseguiu o raro feito naquele país de praticamente cumprir todo um mandato, ele que assumiu em 27 de janeiro de 1982.

Para que o leitor tenha uma idéia do enorme caldeirão fervente que é essa República, basta dizer que em pouco mais de 150 anos de vida independente, ela já teve 14 Constituições, conheceu três guerras civis e três intervenções norte-americanas, realizadas com o pretexto de sempre: proteger vidas e interesses de cidadãos dos Estados Unidos. A primeira aconteceu no auge da política do “big stick”, em 1912 (prática essa que o presidente Ronald Reagan parece querer reviver), vindo a seguir as de 1919 e de 1924.

Em princípios de 1933, o general Tibúrcio Carias Andino derrubou o governo constitucional, mantendo-se no poder por 15 anos, até 1948, mas conservando a sua influência por muito tempo além. De então, até o ano de 1981, os hondurenhos jamais souberam o que era uma eleição presidencial, passando a sucessão governamental a ser feita ou pelo velho expediente latino-americano do golpe de Estado, ou através de surradas artimanhas, tão nossas conhecidas, de colégios eleitorais e métodos semelhantes.

Em julho de 1969, Honduras foi invadido por tropas de El Salvador, no que se convencionou chamar de “guerra do futebol”. É que o pretexto para o seu início foi um incidente ocorrido numa disputa desse esporte entre as seleções de ambos os países, pelas eliminatórias do Campeonato Mundial, realizado no México, em 1970.

A causa real do conflito, entretanto, foi outra. Deveu-se ao descontentamento hondurenho pela emigração maciça de trabalhadores salvadorenhos para seu território, aproveitando o enorme vazio demográfico que nele se registra.

Treze anos depois, no governo do general Alvarez Martinez, Honduras tiraria a forra. Massacraria centenas de refugiados procedentes de El Salvador, que fugiam da guerra civil em seu país. Aliás, foi sob o governo desse militar que essa República paupérrima, cuja renda per capita anual não passa de US$ 671 e que tem 43% de seus habitantes analfabetos, começou a se transformar no que é hoje: uma imensa base norte-americana.

Diversas áreas civis estão se insurgindo contra esse enorme presença estrangeira em território hondurenho, que além de não trazer qualquer vantagem econômica ao seu povo, ainda o expõe a represálias de seus belicosos vizinhos: Nicarágua e El Salvador.

Talvez esteja aí o motivo de se estar buscando pretexto para impedir, ou pelo menos inviabilizar, a candidatura do juiz Manuel Arita Palomo, um político francamente contrário a esse incômodo estado de coisas. O que ocorreu anteontem, e na madrugada de ontem, em Tegucigalpa, pode perfeitamente ser classificado como um “golpe de Estado branco”.

E certamente nenhum observador iria estranhar se a qualquer hora viesse a informação daquele país dando conta que o presidente Roberto Suazo Córdova fora deposto. Clima propício para isso já foi artificialmente criado. Os desdobramentos podem ser apenas uma questão de dias.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 30 de março de 1985).

Saturday, January 24, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Os grandes artistas tendem a exercer uma influência decisiva na formação da nossa personalidade e caráter, permitindo-nos conhecer situações, comportamentos e circunstâncias os mais diversos e extremos, sem que precisemos passar por essas experiências pessoalmente. E quando algo análogo ao que tratam nos ocorre, contamos com caminhos e alternativas já conhecidos para sairmos de enrascadas ou para usufruirmos plenamente os episódios benignos e favoráveis que surgirem. Os grandes artistas estabelecem, sobretudo, sua identidade, que refletem nos personagens que criam. Generosos, nos ofertam a possibilidade de libertação do espaço, do tempo e até da morte que, se não a evitam (e não nos ensinam a evitar, pois é inevitável) sugerem como aceitá-la serenamente, como realidade impossível de ser mudada. André Malraux escreveu a seguinte a esse respeito: ““O grande artista (...) estabelece a identidade eterna consigo mesmo. Pela maneira segundo a qual nos mostra tal ato de Orestes ou Édipo, do príncipe Hamlet ou dos irmãos Karamazov, ele nos torna próximos a esses destinos tão afastados de nós no espaço e no tempo; torna-os fraternos e reveladores para nós. Assim, alguns homens têm o grande privilégio, essa parte divina, de encontrar no fundo deles mesmos, para nos oferecerem, aquilo que nos liberta do espaço, do tempo e da morte”.

Versos a um amigo


Pedro J. Bondaczuk

Amigo, nada mudou.
O mundo ainda é o mesmo,
imerso em incoerência,
faz (e desfaz) da ciência
arma afiada e mortal
de coletiva demência.

Vê, amigo, sente o drama.
O ouro, a grana, the money,
só fazem proselitismo,
tornam o talão de cheques
num moderno catecismo
desta tão absurda crença
chamada capitalismo.

Vê e reflete comigo.
O que fizeram do amor
(que é antípoda do vício)?!
Dissimula aberrações,
mascara-se em meretrício!

Vê, meu amigo, que chato,
o que fizeram do mundo,
do seu grandioso ideal,
do seu desejo real
de atingir a perfeição:
mero caminho sem rota,
discurso, elucubração,
alvo de riso e chacota.

Por isso, quando eu escrevo
versos soltos (comovidos)
carregados de emoção
deixa que eu ainda o chame
de parceiro, amigo, irmão!

(Poema composto em Campinas, em 11 de junho de 1974).

Friday, January 23, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O cinema pode ser ótimo coadjuvante da literatura, mas jamais seu substituto. Filmes baseados em livros famosos auxiliam muito, por exemplo, no entendimento do enredo de determinado romance ou novela, mas têm o defeito de omitir as reflexões do autor, feitas, geralmente, à margem do desenrolar da história, quando da descrição de personagens e/ou cenários. E aí é que está a essência da obra literária, embora o leigo nem desconfie que assim seja. Quando me refiro a cinema, claro, pressuponho o de qualidade, não o chamado “trash”, mal-feito técnica e conceitualmente, que esbanja violência e sexo. O mesmo vale para literatura. Um bom filme valoriza um livro apenas mediano e o oposto também é verdadeiro. Ou seja, um mau, arrebenta com a obra até de um Balzac, um Eça de Queiroz ou um Machado de Assis, entre tantos. A escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís – grande nome das letras de Portugal na atualidade, ganhadora do Prêmio Camõs de 2004 – abordou a relação dessas duas artes, em entrevista publicada em 18 de junho de 2000, no caderno “Mais!”, do jornal Folha de S. Paulo, e constatou: “O cinema é uma forma de respirar da literatura. Bergman queria ser escritor, mas a linguagem literária é outra. A linguagem cinematográfica é puramente emotiva e mais sintética. Mostra, mas não demonstra, ilumina, mas não informa”. São, como afirmei, artes complementares, mas não exclusivas.

Vocábulos e seixos


Pedro J. Bondaczuk

As palavras são caprichosas e volúveis e transformam-se com o tempo. Não todas, claro, mas boa parte delas passa por esse processo de transformação (não me cabe julgar se para melhor ou para pior). Muitas caem em desuso, outras se modificam, outras tantas surgem como que do nada e outras, ainda, “sofrem erosão da corrente do pensamento”, conforme afirmou Antonio Candido, na magnífica crônica intitulada “Língua, pensamento e Literatura”, publicada no jornal Folha da Manhã em 25 de junho de 1944 (ocasião em que eu tinha, apenas, um ano e meio de idade).
Fascinam-me essas metamorfoses vocabulares, semânticas e/ou gramaticais. Quando cursei, no início da década de 60, o então Curso Científico, estudei Gramática Histórica na primeira série, na disciplina Português. Hoje, infelizmente, esse importante estudo foi suprimido. Daí as pessoas terem tanta dificuldade em aprender (como devem) o nosso rico idioma. Sinceramente, gostaria de saber quem (e por que) suprimiu esta matéria do currículo. Com todo o respeito: deve ser uma macro, mega ou hipercavalgadura, ou qualquer outro superlativo mais forte (se é que existe algum) que se queira usar.
Esse estudo da evolução do modo lusitano de se expressar ao longo do tempo era facilitado pelo fato de havermos estudado, no antigo ginásio, o idioma-matriz da Língua Portuguesa (e do espanhol, francês, italiano, romeno etc.): o latim. Algum “gênio” (provavelmente um asponi desocupado, ávido por mostrar serviço aos seus superiores hierárquicos do Ministério da Educação) achou que isso não era importante. Sugeriu (e outras cavalgaduras acataram, de bom-grado, essa “brilhante” sugestão), que fosse suprimido, pura e simplesmente, do currículo. Uma pena!
Desta forma, os estudantes de hoje estão privados, entre tantas e tantas e tantas outras coisas interessantes, do conhecimento, por exemplo, de como o “ene”, de determinadas palavras, se transformou no til. Ou de como o “sc” de outras virou o cedilha. Ou como ocorreu a simplificação do tratamento “vossa mercê” primeiro para “vassuncê” e, finalmente, para “você”.
Gosto de literatura. Gosto de fazê-la e de comentá-la, ambas com a mesmíssima satisfação. Aviso, de antemão, aos que não me conhecem: não me considero crítico literário, embora comente, a todo instante, livros e mais livros, ou trechos esparsos deles. Faço-o, porém, à minha maneira, sem método e sem compromisso.
O leitor paciente e fiel, que me acompanha há anos nestas descompromissadas reflexões diárias, sabe, de sobejo, que sou antes de tudo um provocador. Não fujo de temas polêmicos. Ao contrário, busco-os com obsessão. Faço isso, porém, não para contrariar quem quer que seja (embora muitos se sintam contrariados). Ajo dessa maneira para suscitar debates que, quando em alto nível, tendem a nos conduzir ao esclarecimento de assuntos obscuros.
Apesar de ser provocador, contudo, não critico, por exemplo, textos de que não gosto. Não me sinto no direito de acabar com os sonhos de ninguém que aspire o estrelato no complicado, frustrante e pantanoso campo da Literatura. Outro que os arruíne. Recuso-me a esse papel. Comento, somente, as obras e autores que aprecio. Considero esses escritores amigos do peito, mesmo não conhecendo (pessoalmente) nenhum deles. A maioria, é verdade, viveu séculos (quando não milênios) antes de eu nascer. Não haveria, pois, como se estabelecer esse conhecimento mútuo, não é fato?
A alguns artífices do idioma, são facultadas licenças, interditas aos mortais comuns. Atentem, por exemplo, ao início deste maravilhoso soneto: “Alma minha gentil que te partiste/tão cedo desta vida descontente...”. Fossem estes versos escritos por Pedro J. Bondaczuk (que pretensão!), os críticos investiriam, de imediato, apontando, dedo em riste, o cacófato “alma minha”. Como foram escritos por ninguém menos do que Camões... quem ousaria se dar a esse atrevimento?!
Nada, todavia, me fascina mais do que estudar a transformação das palavras, quer na maneira de serem escritas, quer (e principalmente) em seu significado. E também, por que não, em sua pronúncia. Em geral, elas perdem asperezas originais e se amaciam, atenuam, alisam com o passar do tempo e com a sucessão das gerações. Fossem pedras, se tornariam agradáveis ao tato.
Antonio Candido escreveu a esse respeito, na crônica citada acima: “Ora, os vocábulos são como os seixos dos rios. A princípio, duros e ásperos calhaus cheios de pontas e arestas. A água, todavia, passa longa e pacientemente sobre eles. Os anos sucedem aos anos, e os seixos vão se arredondando, as suas anfractuosidades se atenuam, toda a pedrinha como que amacia e se torna um pequeno bloco polido, doce ao contato e à vista. Também as palavras sofrem esta erosão; no seu caso, da corrente do pensamento”. Não foi o que escrevi no início destas descompromissadas reflexões?!!!

Thursday, January 22, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Os “intelectuais” hoje em dia (salvo, claro, honrosas exceções), despendem seu tempo para longas e intermináveis viagens ao redor do próprio umbigo, inconscientes do seu papel social, julgando-se não apenas o centro do mundo, mas do próprio universo. Deixaram morrer as utopias sem que colocassem nada de melhor em seu lugar. São arrogantes, ranzinzas, prepotentes e sumamente egoístas e, sobretudo, narcisistas, de um narcisismo doentio e ridículo. Apostam não somente no pessimismo (que chamam de “realismo” e têm o desplante de classificar quem não pensa como eles de “alienados), mas, sobretudo, no derrotismo. São os arautos da catástrofe. Tanto que hoje em dia as utopias (que na verdade, embora fantasiosas, eram metas postas diante da humanidade, ousadas é verdade, mas que, se atingidas, mesmo que parcialmente, fariam do mundo um lugar decente para se viver) pelas distopias. Ou seja, pelo caos, pela paranóia, pela catástrofe, pelo fracasso, por um inferno criado pelo homem, que é muito pior do que aquele imaginado pelas religiões. Os intelectuais chegaram à sua privilegiada condição não apenas por esforço próprio. São fruto do sacrifício de milhares, de milhões de pessoas humildes, que contribuíram com seus esforços para que chegassem a esse patamar. É justo exigir-lhes, portanto, a contrapartida, que não dão. E se não a derem (como não estão dando), estarão cometendo o crime dos crimes: o da omissão.

Vida perdida


Pedro J. Bondaczuk

A vida é o bem mais precioso que temos (óbvio), principalmente por contar com um “prazo de validade”. Ninguém sabe, de antemão, qual é o seu. Mas todos temos a íntima certeza de que um dia deixaremos este mundo misterioso, às vezes hostil, sempre fascinante, e extremamente belo. Cabe-nos, todavia, encontrar (e usufruir) essa beleza.
Alguns têm o privilégio do usufruto dessa aventura por um tempo relativamente extenso (para os padrões humanos). Meu avô paterno, por exemplo, viveu, plenamente, por 105 anos e deixou-me preciosas lições acerca da “arte de viver”. Outros, porém, sequer chegam a se desenvolver. Extinguem-se em questão de meras horas, quando não de minutos, logo ao nascer. Só temos uma grande certeza: nenhum de nós, viva o quanto viver, será poupado da morte.
O poeta suíço, Charles Ramuz, legou-nos uma afirmação sutil, posto que verdadeira, que explica nossa (pelo menos a minha) obsessão pela beleza. Escreveu: “É por tudo ter que acabar é que tudo é tão belo”. E não é verdade?! Alguém pode argumentar: “o mundo não tem apenas beleza. Abalroa-nos, a todo o instante, com o extremo da feiúra, com a maldade, a violência e o horror”. É verdade. Mas isso nem precisamos procurar. Está permanentemente ao nosso redor e desafia-nos sem cessar a nos defender ou a reverter esse quadro. Da minha parte, prefiro gastar meu tempo, escassíssimo e que sequer sei de quanto é, deleitando-me com a beleza.
A propósito, para quem não sabe, Charles Ferdinand Ramuz foi escritor e poeta suíço, nascido em 24 de setembro de 1878 na cidadezinha de Cully-sur-Lausanne e que morreu em 24 de maio de 1947 em Pully, no seu país natal. Gosto de ler, sobretudo, seus aforismos, profundos, instigantes e repletos de sabedoria, como: “A única verdadeira tristeza está na ausência de desejo”. Ou, “não basta fugir, é necessário fugir-se para o lado mais conveniente”. Ou, “sentirmo-nos inúteis é ainda pior do que nos sentirmos culpados”. Ou, “sinto que progrido na medida em que começo a não entender nada de nada”. Cada um deles mereceria um texto a parte, de análise e reflexão.
Descobri esse magnífico escritor ao consultar, certo dia, a enciclopédia eletrônica “Wikipédia”. A partir daí, busquei mais referências no Google e encontrei cerca de 196 mil! Claro que não consultei todas, mas adquiri um conhecimento para além do razoável acerca da sua vida e da sua obra.
Pois é, “é por tudo ter que acabar que tudo é tão belo”. Ouço, amiúde, dizer-se que “fulano perdeu a vida”, não no sentido da sua morte física, mas do desperdício de oportunidades. Dessa forma, passa a ser considerado por todos como “perdedor”. E é. Porquanto, quando isso acontece, é porque essa pessoa não tem garra, coragem, disposição e estofo moral para recomeçar. Enquanto estivermos vivos, não importa com que idade estivermos, sempre é possível um recomeço, para reverter imensos fracassos, transformando-os em surpreendentes sucessos.
Marco Aurélio, o imperador-filósofo romano, escreveu, em seu livro “Reflexões”, o seguinte a esse propósito, reproduzido por Jorge Luís Borges em “História da Eternidade”: “Ainda que os anos de tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra vida senão a que vive agora, nem vive outra senão a que perde. O prazo mais longo e o mais breve são, portanto, iguais. O presente é de todos; morrer é perder o presente, que é um lapso brevíssimo. Ninguém perde o passado nem o futuro, pois a ninguém podem tirar o que não tem”.
Como se vê, nenhuma perda (a não ser a da própria vida, óbvio), é irreversível. Alguma oportunidade escapou por entre nossos dedos? Corramos atrás de outras. Se não surgir nenhuma nova, elaboremos uma, com nosso esforço, empenho e imaginação. O que se perdeu foi, apenas, uma fração curtíssima de tempo, tão breve que é impossível de se medir por qualquer tipo de instrumento existente: o presente.
O passado, por seu turno, não pode ser perdido, já que não mais nos pertence. É mera peça de museu, que pode ser apreciada, mas jamais modificada. O futuro não pode ser dado como desperdiçado, pois está sempre nascendo, a cada trilionésimo de segundo ou muito menos, acenando para nós, de forma desafiadora, nos conclamando à ação. A vida, pois, só estará perdida (pelo menos potencialmente) após nosso derradeiro suspiro.
Quando nos julgarmos perdidos, atentemos para a sábia observação do imperador-filósofo: “Ainda que os anos da tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra vida senão a que vive agora...” Aprecie a beleza. Valorize-a. Crie-a sempre que puder (e sempre podemos). E tenha, a cada instante da sua vida, em mente: “É por tudo ter que acabar que tudo é tão belo”.

Wednesday, January 21, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Que bom seria se, ao chegarmos a uma idade avançada, pudéssemos contemplar a vida com o olhar da criança que um dia fomos: com inocência, esperança e assombro (positivo, claro). Evitaríamos inúmeros sofrimentos causados por uma visão distorcida que adquirimos das coisas, pessoas e, sobretudo, desta aventura magnífica, mágica e talvez única. Carregamos nossa memória com “quinquilharias”, dogmas que não se sustentam, filosofias caducas e ambições inconseqüentes. Alguns, deixam de lado aquela veneração natural que tinham pela vida e há, até, os que por uma razão ou outra, tentam abreviá-la, quando não suprimi-la liminarmente. Podemos manter essa visão até o último dos nossos dias, basta querer. Para isso, é indispensável cultivar um sadio e lógico senso de proporções. O poeta Mauro Sampaio escreveu, a propósito, no poema “Aspiração”: “Vida! Como seria bom fincar meus joelhos na terra/e contemplar-te com os olhos do menino/que um dia fugiu de mim”.

Sensação de ter sido enganado


Pedro J. Bondaczuk

O sucesso e o fracasso, ambos bastante relativos, não dependem tanto de nós, como somos tentados a achar. Claro que temos que fazer a nossa parte, sem a qual não teremos a mínima chance de sermos bem-sucedidos no que quer que seja. Devemos nos aplicar aos estudos, nos esmerar em adquirir (e exercitar) virtudes, colecionar valores (testados e aprovados pelo tempo), ser solidários e participativos, amar o trabalho e nos tornarmos os melhores possíveis nas profissões que viermos a exercer.
Mas somente isso basta para termos sucesso na vida? Esse esforço, essa aplicação, essa sabedoria de conduta são suficientes para chegarmos às metas que traçarmos? São garantias absolutas de êxito? Claro que não! Dependemos, sempre e sempre, de algo que o filósofo José Ortega y Gasset chama de “circunstâncias” (e que, da minha parte, denomino de “acaso”).
Raras são as pessoas que, em determinado momento de suas vidas, não se sentem logradas, decepcionadas com os resultados que alcançaram, por maior que estes possam ser. Ou seja, sentem-se enganadas. Claro que nem todos saem apregoando isso aos quatro ventos. Muitos têm essa sensação e sequer sabem defini-la, expressá-la e, principalmente, verbalizá-la. Guardam consigo e ficam remoendo essa amargura do fracasso enquanto vivam.
Há os que se sentem completos derrotados e não mostram a menor vontade de reação. Outros tantos lançam todas as culpas de seus insucessos sobre terceiros e nunca assumem seus erros. Todavia, a atitude mais sábia é a de se analisar o que se fez, detectar onde se errou, definir o quanto o acaso influenciou nos tropeços que ocorreram e tocar a vida para a frente, na tentativa de reversão. Enquanto se está vivo, tudo, absolutamente tudo, é possível.
O mesmo acaso que nos surpreendeu, e nos derrubou, pode nos proporcionar êxitos que nunca cogitamos. Afinal, ele não acontece, somente, para o mal. Ocorre que quase sempre consideramos (erroneamente) nossas vitórias como ocorrências naturais, consequências exclusivas das nossas ações, sem qualquer intervenção das circunstâncias. Todavia, estas atuam mais, exatamente, em nossos sucessos, determinando-os de vez, do que em nossas derrotas.
Há muitos que, analisando suas trajetórias de vida e constatando o que hoje são, têm profunda sensação de fracasso, mesmo que aos olhos alheios sejam encarados como bem-sucedidos. Há, por exemplo, os que pretendiam seguir determinada profissão, para a qual se prepararam com afinco (no meu caso, sempre sonhei em ser médico), mas que acabaram em outra atividade, totalmente diferente da pretendida (acabei parando no jornalismo). Ressalto, porém, que, da minha parte, não me sinto fracassado por isso. Um pouquinho frustrado, talvez.
Há quem tenha sonhado constituir família com uma parceira ideal que, além de bela, fosse compreensiva e, sobretudo, companheira. No entanto, acabaram se juntando a uma mulher caprichosa, resmungona, exigente, dominadora, quando não infiel. Sentem-se enganados por isso, principalmente quando se lembram das tantas namoradas que tiveram, com o perfil ideal, e concluem que escolheram exatamente a mais inadequada. Por que? Não sabem responder.
Outros tantos surpreendem-se com sua visão negativa do mundo, e não compreendem como e porque mudaram tanto e deixaram os ideais e sonhos da juventude pelo caminho. Até nisso sentem-se logrados, como ademais também se sentem sobre o seu caráter, seus procedimentos, suas relações, seu status etc. etc. etc.
Alguns, poucos, após essa revisão, mudam de rumo, saem em busca de seus sonhos e se realizam. A maioria, porém, assume de vez a condição de perdedora e tem uma velhice amarga e curta. Sua amargura e autodepreciação lhes abreviam a vida. O pior é que essas pessoas não encontram, em nenhum lugar, qualquer explicação para as coisas terem ocorrido como ocorreram e não da maneira ideal, como haviam planejado. Provavelmente, isso seja inexplicável.
No meu caso, confesso, não me sinto frustrado pelas mudanças de rumo que ocorreram ao longo dos anos. Não, pelo menos, o tempo todo. Claro que há ocasiões em que me sinto enganado. Contudo, as circunstâncias jogaram em meu colo vitórias que, provavelmente, não obteria se as coisas ocorressem exatamente como eu planejava.
No caso da profissão, por exemplo, sinto-me plenamente realizado, ao cabo de 47 anos de carreira como jornalista. Quem me garante que eu seria um bom médico? Quanto à esposa... o acaso outorgou-me uma companheirona, que é minha “cúmplice” há já quase meio século, e que não trocaria por nenhuma outra mulher no mundo.
Por isso, sinto-me gratíssimo à vida por tudo o que ela me proporcionou. Poderia ser melhor? Claro que sim! Mas, provavelmente, escapei (por acaso) de algo muitíssimo pior. Sou, pois, um privilegiado. Na comparação entre logros e ótimas surpresas, o saldo, felizmente, é positivo. Por isso faço minhas as palavras do escritor argentino, Adolfo Bioy Casares, quando escreveu: “Se pudesse viver quinhentos anos aceitaria e pediria: não pode me dar mais alguns?”. E você, paciente leitor, aceitaria viver tanto?

Tuesday, January 20, 2009

Feliz aniversário!


Pedro J. Bondaczuk

Os aniversários (principalmente os meus) sempre me empolgaram. Não adianta os pessimistas virem me dizer que cada novo ano que eu vier a completar devo, na verdade, lamentar, porquanto minhas possibilidades de deixar o mundo pela porta da morte aumentam. Não deixa de ser verdade, claro. Mas precisavam lembrar isso justo hoje?! Por que dar ouvidos a esses chatos, cassandras de mau-agouro, que vêem, em tudo e em todos, apenas o lado negativo? Eles que procurem outro para aborrecer.
O estranho (diria, irônico) é que, mesmo apreciando tanto aniversários, tive poucas festas nestas datas para mim tão simbólicas e importantes. Dá para contar nos dedos das mãos quantas foram. E olhem que foram muitas essas oportunidades de comemoração, mais de sessenta, a maioria perdida! Quando criança, meus pais não se preocupavam em festejar o dia do meu nascimento, pretextando pobreza. E nem éramos tão pobres assim!
A primeira festa que me fizeram (pasmem!) foi quando completei dezoito anos de idade. Morava, na ocasião, em São Caetano do Sul. Meus pais convidaram (para aumentar minha surpresa) vários dos colegas de formatura do antigo Ginásio Adventista Campineiro, que ficava no então distrito de Jacuba, o atual município de Hortolândia. A instituição cresceu muito, desde então, e mudou de nome. Hoje chama-se Instituto Adventista São Paulo e conta, inclusive, com várias faculdades.
Eu havia me formado no antigo curso ginasial pouco mais de um mês antes. Não esperava reencontrar, portanto, tão logo assim, aqueles queridos colegas, muitos dos quais sempre tive (e ainda tenho) na conta de amigos. Havia, portanto, para mim, duplo motivo para comemoração: o ineditismo da festa (era a primeira, de aniversário, de toda a minha vida até então) e a oportunidade de rever pessoas tão queridas as quais, provavelmente, deixaria de ver por muito tempo (como, de fato, deixei).
Todavia, tive, naquela ocasião, uma reação que surpreendeu a todos (e a mim, mais do que aos outros). Tranquei-me a chave em meu quarto e sequer dei as caras. Chorei por horas seguidas, como um bebezão. E até hoje não entendi a razão do choro, se foi de emoção, raiva ou por qualquer outra motivação. Claro que, finda a festa, da qual não participei, ouvi poucas e boas dos meus pais que, entre outras coisas, enfatizaram a minha falta de educação.
Depois disso... Passei décadas sem que ninguém se lembrasse de festejar de novo a data do meu aniversário. Nem depois que casei isso aconteceu. Todavia, nunca deixei nenhum dos meus quatro filhos na mão nesse aspecto. Todos, sem exceção, sempre tiveram a sua festinha. E, em anos de vacas gordas, tiveram, na verdade, “festonas”.
Só voltei a ganhar uma festa de aniversário (a segunda da minha vida), em 1996, 35 anos depois da primeira. Ocorreu quando eu trabalhava como editor e comentarista político no Correio Popular de Campinas e foi organizada pelo Camarinha, o chefe dos diagramadores do jornal, amicíssimo meu. Foi organizada de surpresa e aconteceu em um barzinho próximo da redação. A esta eu compareci e não dei vexame. Curti muito aqueles momentos, que jamais irão se apagar da minha memória.
Nos últimos cinco anos, essas festas têm sido freqüentes. Como hoje, por exemplo. Será mais um 20 de janeiro em que os parentes e amigos irão celebrar outro ano de vida que eu completo. Dada a espontaneidade das manifestações, encaro tudo isso como prova de apreço. E, claro, é muito bom ser querido por alguém.
Logo pela manhã, ao despertar, recebi os primeiros cumprimentos, que se estenderam (e se multiplicaram) ao longo do dia. Minha filha Ludmila, que reside em São Paulo, por exemplo, foi das primeiras a ligar para me dar afetuosos cumprimentos. Meu coração, claro, bailou de felicidade.
Bem diz o ditado popular: “Antes tarde do que nunca”. As festas de aniversário com que sempre sonhei quando menino acontecem com regularidade, freqüência e assiduidade agora, quando, convenhamos, não sou tão novinho assim. Pouco depois do despertar, vaidoso como sou, mantive o ritual cotidiano de consultar o espelho. Conferi, sobretudo, se não tinha alguma nova ruga no rosto, ou se não havia aparecido, de ontem para hoje, um incomodo fio de cabelo branco que não tinha na véspera. Afinal, dei-me por satisfeito. Nada mudou em minha fisionomia, pelo menos de ontem para hoje.
Constatei, sobretudo, que ainda estou vivo, e muito vivo. E por que digo isso? Jorge Luiz Borges abordou, em um dos seus livros (não me lembro qual), determinada crença, muito difundida entre os ingleses. Informou: “Na Inglaterra há uma superstição popular que diz que não saberemos que já morremos até que comprovemos que o espelho não nos reflete mais”.
É por isso que asseguro, sem receio de errar, que estou vivo, muito vivo, vivíssimo. E feliz e saudável. E, além de tudo, completando mais um ano de vida, com uma big festa à minha espera. Afinal, meu espelho refletiu, com clareza e nitidez, ainda agorinha mesmo, a minha imagem bonachona, sorridente e um tanto galhofeira. Ufa!

REFLEXÃO DO DIA


Muitas vezes nos esquecemos de como éramos num passado relativamente recente, na adolescência, por exemplo, quando tínhamos sonhos grandiosos, ideais ousados e projetos embora fantasiosos, que mostravam nosso vigor físico e intelectual. Fisicamente, éramos belos e espiritualmente, éramos ingênuos, de uma ingenuidade sadia por sinal. Muito de tudo disso, não raro, acabou se perdendo no tempo, sem que déssemos conta. Subitamente, como num lampejo, nos lembramos de como éramos e constatamos que ainda somos os mesmos, do ponto de vista espiritual. Claro que somos outros, bem diferentes, porém, no aspecto físico. Só nos damos conta disso quando encontramos alguma fotografia antiga, dos tempos da juventude. Mas o que é a aparência? Por que nos preocuparmos com ela? O poeta Mauro Sampaio escreveu o seguinte, em seu poema “Distanciamento”, sobre esses eventuais reencontros conosco: “Por onde andei escondido por tanto tempo?/Hoje, em um retrato antigo reencontrei-me ontem./E perdi-me inexoravelmente de mim, em meu espelho”.

Reencontro diário


Pedro J. Bondaczuk

A auto-aceitação é um dos fatores fundamentais para que nos sintamos felizes (embora, claro, não seja o único). Devemos nos aceitar como somos e, para que isso se torne possível, temos que levar uma vida simples e ordenada, sem excessivas ambições e nem culpas, conhecendo os nossos limites e somente nutrindo sonhos e desejos que sejam factíveis e estejam ao nosso alcance. Difícil? Sem dúvida.
Temos duas tendências antagônicas, ambas fontes de profunda insatisfação pessoal. Uma é a da supervalorização das nossas supostas virtudes e talentos. Achamos que somos mais, muito mais do que aparentamos ou do que os outros achem e que não somos devidamente valorizados pelas pessoas do nosso convívio. Convivemos, por isso, com permanente sensação de sermos injustiçados (quando, na maioria das vezes, não somos).
A segunda tendência – no meu entender ainda pior do que a primeira – é a da subvalorização. É o que os psicólogos chamam de “complexo de inferioridade”. Julgamo-nos inferiores a todos e sofremos muito por isso. Tornamo-nos tímidos, retraídos, arredios, vacilantes e profundamente antissociais.
Damos excessiva importância às opiniões alheias ao nosso respeito e não nos aceitamos como somos, o que, claro, é um grande erro. Por fim, acabamos por adquirir o vício da infelicidade e sequer atinamos com a mais remota possibilidade de mudança de comportamento para melhor.
Outro fator, diretamente ligado à auto-aceitação, é a convivência com culpas (reais ou imaginárias, não importa). Quem age dessa forma, vive em perpétuo sobressalto, temendo punições e/ou retaliações. O melhor exemplo, deste tipo de pessoa, é o estudante Rodion Romanovitch Raskolnikov, personagem criado pelo escritor russo Fedor Dostoievsky, em seu clássico “Crime e Castigo”.
O referido indivíduo, apesar de ser professor de línguas, vivia em estado de profunda miséria. Achava-se, claro, injustiçado, ainda mais quando observava uma velha agiota, cuja obsessão era a de juntar valores (dinheiro, jóias etc.), sem usufruir dos benefícios de sua riqueza. Ponderou e concluiu que esta era uma pessoa inútil e até nociva à sociedade e que ninguém se importaria se a matasse e subtraísse seus bens.
Da cogitação, à efetiva ação, foi um passo. Em determinado dia, Raskolnikov assassina a velha agiota a machadas. Contudo, as circunstâncias forçaram-no a não se limitar a esse crime. Teve, também, que matar Lisavieta, irmã da anciã, que havia visto o cadáver no chão e, certamente, o denunciaria.
A partir de então, o estudante vive no inferno. Sequer aproveita o resultado do roubo que praticara, no caso algumas jóias de relativo valor. Arrependido do que havia feito, mesmo sabendo que não poderia voltar atrás no crime, enterra, sob uma pedra, o que havia roubado. Mas a consciência de Raskolnikov não lhe dá tréguas. Com todas as pessoas que cruzava, não importa se estranhas ou conhecidas, tinha a sensação de que elas sabiam o que havia feito. E o olhar – por mais inocente e casual que fosse – que estas lhe dirigissem, era, em sua mente atormentada, enfáticos libelo de acusação.
Mesmo depois que a polícia prendeu um suposto culpado, que inexplicavelmente havia confessado o crime que não tinha cometido, o remorso e a sensação de que todos sabiam que era o verdadeiro assassino persistia na mente do estudante. A consciência não lhe dava tréguas. Até que um dia, estimulado por Sônia, a mulher que amava, confessou às autoridades seu delito.
São muitas as vezes em que convivemos com essa mesma sensação de culpa, devendo ou não. E sofremos inutilmente, quando a atitude mais sábia seria a de nos livrarmos desse inútil peso na consciência. Como? Muito simples. Se realmente prejudicamos alguém, o caminho mais sábio, sem dúvida, é o da reparação da falta. Caso não seja possível repará-la, o melhor que se faz é ter a humildade de pedir perdão ao ofendido.
O irônico é que os verdadeiros culpados, aqueles que de fato se esmeram em fazer o que não devem, nunca se julgam maus. Têm a consciência embotada. Quando eu era estudante de Direito, fui, um dia, com meu professor, visitar uma cadeia pública da minha cidade, para conversar com os presos. Nas entrevistas (foram umas dez), nenhum, absolutamente nenhum deles admitiu o delito de que era acusado. Eram todos uns “anjinhos”, totalmente inocentes, injustiçados pela família e pela sociedade.
Um deles era acusado de haver chacinado, de forma bárbara e brutal, toda uma família, apenas para roubar alguns míseros trocados, crime que causara profunda revolta popular na época. Mas, a despeito das provas contundentes contra ele, teimava em se declarar (e jurava por todas as juras) inocente. Insistia em afirmar que fora preso por engano. Não fora, é claro. Um sujeito assim jamais terá dor de consciência. Não mais a possui.
O escritor francês, Paul Valéry, constatou, em um de seus textos, a propósito da relação que há entre auto-aceitação e felicidade: “O homem feliz é aquele que ao despertar se reencontra com prazer e se reconhece como aquele que gosta de ser”. Como se vê, é uma receita simples, simplérrima, ao alcance de todos, que não implica em nenhuma complexidade e independe da ação alheia. Que tal experimentarmos agir assim?

Monday, January 19, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Procuramos a beleza em cenários sofisticados, em arranjos e combinações refinados e não atentamos para o tanto que há de belo ao nosso redor. Não raro não conseguimos vislumbrar a poesia que há num bando de crianças sadias brincando despreocupadas, ou na limpidez do olhar da pessoa amada, ou nas flores selvagens e brutas que brotam por entre as ervas das campinas. Desprezamos o simples. Somos obsessivos pelo complexo, pelo artificioso, pelo complicado. Mas a beleza real e hipnotizadora, aquela que nos enleva a alma e nos leva a esquecer as agruras da vida, está na simplicidade. Esconde-se nas coisas aparentemente mais triviais que nos rodeiam ou com as quais topamos casualmente. Basta atentar para ela e, com a força do talento, criar poemas, romances, contos, pinturas, músicas etc. que se tornem imortais. Mauro Sampaio escreveu, no poema “Simplicidade”: “Como te invejam as flores nobres, florinha do campo,/a ti que enfeitas as mãos das camponesas,/que perfumas os ventos caipiras das aldeias tristes e vazias”.

Admirável artista


Pedro J. Bondaczuk

Os critérios que nos levam a nos apaixonarmos por alguém são, via de regra, equivocados, ou pelo menos imperfeitos. Daí nos decepcionarmos, tão amiúde, no amor. A maioria ama pela beleza física de certas pessoas, artifício de que a natureza nos dotou para assegurar a perpetuação da espécie, sem atentar para outras virtudes delas. Só que o tempo não perdoa ninguém.
Um dia a amada perde o viço da juventude e não se torna mais tão atrativa aos olhos. Caso não haja o ingrediente da amizade, da camaradagem e da cumplicidade entre o casal, sobrevém a mútua frustração. E não tarda para o relacionamento se desfazer.
Há quem se apaixone por ter admiração por alguém, sem atentar para os seus defeitos. Quando os descobre... É aquela tragédia! O leitor já reparou que o amor, pelo menos em sua fase inicial, aquela que mais nos marca e que nos deixa lembranças preciosas e inesquecíveis, mesmo quando se acaba, é uma espécie de perpétua infância?
Retomamos aquela ingenuidade inicial de meninos que com o tempo deixamos pelos caminhos da vida. Até as expressões que utilizamos durante o namoro são inocentes, carinhosas e um tanto quanto infantis, quando não piegas. Contudo, não nos importamos com isso e sequer notamos.
Não por acaso, o amor é representado pela figura de uma criança, Eros (ou Cupido), garoto brincalhão que se diverte a lançar flechas nos corações dos incautos. E como as lança! Como brinca com os sentimentos humanos!
Pena que, com o tempo, essa inocência seja substituída por outras características, nem sempre as mais desejáveis, que às vezes maculam e até destroem os relacionamentos amorosos. O poeta romano Propércio, nascido em 47 AC, na cidade de Assis, constatou a propósito: “Aquele que primeiro representou o amor nas feições de uma criança, esse foi admirável artista, porque foi também o primeiro a sentir que a vida dos amantes é infância perpétua”. E não é?
O amor é um sentimento misterioso. Nunca vem sozinho, mas traz, consigo, outras tantas emoções contraditórias, como euforia e depressão, êxtase e sofrimento, exaltação e ciúmes, tudo isso simultaneamente e ao mesmo tempo. Proporciona-nos o máximo de satisfações e pungentes sofrimentos quando distantes da pessoa amada.
Há quem o compare à febre, à perda de autocontrole e, principalmente, ao delírio. Doce delírio! E, ainda assim, é a mais desejável e sublime experiência que podemos ter. O escritor francês, Guy de Maupassant, no conto “A morta”, assim se expressou a propósito desse sentimento: “Por que amamos? É realmente estranho ver no mundo apenas um ser, ter no espírito um único pensamento, no coração um único desejo e na boca um único nome: um nome que ascende ininterruptamente, que sobe das profundezas da alma como a água de uma fonte, que ascende aos lábios, e que dizemos, repetimos, murmuramos o tempo todo, por toda parte, como uma prece”.
Não é assim que os amantes se sentem quando distantes um do outro? Gosto de escrever sobre o amor, ainda que não tenha nada de novo, ou sequer minimamente inteligente para dizer. Sou amante compulsivo e não me importo em pagar o devido preço por isso. Não reluto em pôr as mãos nos emaranhados de espinhos, que as ferem sem dó e nem contemplação, para colher rubras rosas de afetos. A colheita compensa qualquer dor, a despeito das flores terem vida tão efêmera, como a desse delicado sentimento.
Perguntam-me, amiúde, se eu conheço alguma receita infalível para assegurar a profundidade e, principalmente, a perpetuidade do amor e se existir, qual é. Não sou, diga-se de passagem, a pessoa mais indicada para dar esse tipo de conselho. Afinal, sou um rematado trapalhão em assuntos que dizem respeito a sentimentos. Há, contudo, inúmeras recomendações óbvias que podem ser dadas e que, se não asseguram a “eternidade” desse sentimento, o tornam sublime e profundo, pelo menos enquanto dura.
A melhor receita de amor, entre tantas de que tomei conhecimento, é esta, no meu entender, dada por Madre Teresa de Calcutá, figura humana ímpar, que dispensa apresentações: “Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação”. E pode? Claro que não! Busque, sobretudo, preservar sua eterna inocência, aquela que tínhamos na mais remota infância. Simples assim...

Sunday, January 18, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Quando contemplamos, absortos e distraídos, um cenário deslumbrante, de extrema beleza – um sol dourado sobre um vasto trigal maduro; um lago de águas serenas e cristalinas cercado por um bosque verdejante; uma noite clara e enluarada com um céu salpicado de estrelas – sentimos uma ânsia indefinida, um desejo incontido de viajar pelo espaço e conhecer outros mundos e maravilhas interditas aos olhos humanos. Sentimos que não somos daqui, deste lugar em que estamos, e que a vida não pode ser desperdiçada com picuinhas e ambições mesquinhas. Aflora em nós o artista que somos e que, às vezes, ou por timidez, ou por ignorância, ou em virtude das circunstâncias, ainda não descobrimos. Saber admirar o belo, e valorizá-lo, também é arte, posto que não se materialize em nenhuma obra. O poeta Mauro Sampaio escreve a respeito, nestes versos do poema “Inconformismo”: “E este sol/e esta lua neste céu dos desencontros/e este vôo sem destino dos anseios.//E... tão perto de mim as flores”.

DIRETO DO ARQUIVO


Consciência exemplar


Pedro J. Bondaczuk


Que bem seria se as manifestações de sentimentos, por parte dos adultos, tivessem a espontaneidade e a sinceridade das crianças! Na última quinta-feira, na Holanda, teve lugar, nas ruas de Haia, uma passeata antinuclear. Mas não foi um protesto qualquer, como tantos outros.
Milhares de crianças, de diversas escolas holandesas, portando cartazes, feitos rusticamente a mão, pediram às autoridades uma oportunidade para ter um futuro. Apelaram ao governo de seu país para que não aceitasse os mísseis “Cruise”, dos EUA, em seu território, cuja instalação está prevista para começar em meados do próximo ano.
O importante, nessa manifestação, é que ela não foi planejada. Aconteceu espontaneamente, sem que ninguém consiga identificar como e nem quem foi a primeira criança a aparecer na praça com um cartaz nas mãos.
A infeliz decisão norte-americana, tomada em fins de 1979, de instalar 572 mísseis nucleares de teatro, cujo objetivo declarado era o de equilibrar as forças de lançadores estratégicos na Europa, apenas acelerou a “minagem” do continente.
Nem bem Washington começou a remeter os primeiros Pershings II para a Inglaterra e a Alemanha Ocidental, e a União Soviética praticamente dobrou o número dos seus poderosos SS-20, instalando dezenas de baterias em territórios da Checoslováquia e Alemanha Oriental.

(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 15 de abril de 1984)

Saturday, January 17, 2009

REFLEXÃO DO DIA


A arte é, no final das contas, uma tentativa (na maioria das vezes bem-sucedida) de interpretação da vida, feita pelo artista. Tudo o que o cerca, animal, vegetal ou mineral não importa, é tema potencial para suas criações, temperado, claro, pelo seu talento, experiência e modos de enxergar as coisas. Deleito-me, e aprendo muito mais sobre mim mesmo e o mundo nas obras dos grandes criadores, do que na filosofia, nas ciências e em outras tantas disciplinas criadas pelo e para o homem. A natureza, se bem observada, é, por si só, inigualável obra de arte. Ás vezes é tétrica (e para o artista, há beleza, até, na extrema feiúra) às vezes sublime, dependendo do que se observa. Mais do que agradar os sentidos, seu principal papel é induzir o observador à reflexão e à análise do que é e onde está. Ser artista, portanto, é enxergar o outro lado das coisas e se deleitar com ele. É agir, por exemplo, como o poeta Mauro Sampaio sugere em seu poema “Rosa”: “Amar a rosa, não pelo perfume,/mas pela arrogância das pétalas”.

Soneto à doce amada - XIV


Soneto à doce amada-XIV

Pedro J. Bondaczuk

Mais um dia que amanheceu sombrio,
opaco e cinzento, como a tristeza.
O sol não surgiu, neste dia frio,
com esplendor e plena realeza.

O ocaso não foi, como ontem, rosado.
A tarde não teve a mesma frescura.
A lua não mostrou seu prateado
e a noite desceu gelada e escura.

Sozinho, ao ouvir o vento gemer
no telhado, um insistente temor,
de vir, eventualmente, a te perder,

banhou-me o corpo de um febril suor.
Não! Hoje o dia não teve valor.
E eu não vivi, pois não pude te ver!

(Soneto composto em Campinas, em 28 de julho de 1968).

Friday, January 16, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Um dos aprendizados mais árduos, posto que necessários, é o de como administrar as nossas dores. Estamos sujeitos, em algum momento da vida, a tê-las, em quantidades variáveis e aleatórias. Alguns, têm poucas, praticamente ínfimas. Outros, atropelados pelas circunstâncias, as têm em profusão. Ressalto que não me refiro às dores físicas, que devemos remediar sempre, pois é uma tolice sofrer quando se pode, se não evitar, pelo menos remediar. Refiro-me, sim, às sentimentais: às mágoas, tristezas, saudades e, principalmente, ao amargo (e infelizmente bastante comum) sentimento de rejeição, que nos ocorrem em maior quantidade e são de mais difícil administração. Algumas dores têm remédios simples. Basta aplicá-los e pronto. Não as sentimos mais. Outras, porém, não podem ser remediadas. Por isso, o mais prudente e sábio, nestes casos, é esquecê-las. O poeta Mauro Sampaio trata da questão no poema “Conjectura” em que se indaga: “Se eu fosse apenas sentimentos,/quantos pedaços de mim/sobreviveriam à dor?!”

Rendição da beleza


Pedro J. Bondaczuk

A beleza é um conceito bastante controvertido e em raros aspectos é consensual. Apresenta-se, basicamente, de duas formas: virtual e conceitual. A primeira é aquela efêmera, fugaz, passageira, que se transforma com o tempo e perde o seu encanto. É o caso da beleza física, de uma pessoa, uma flor, um animal.
Dura por somente alguns anos, quando não dias ou meras horas, e depois se decompõe, se corrompe, envelhece, murcha e desaparece. Já a conceitual, embora difícil de definir, tem o caráter de permanência. Impregna-se em nosso espírito e basta fecharmos os olhos para podermos vislumbrar seus reflexos.
A imaginação, pois, exerce papel preponderante – diria, decisivo – na definição do conceito de beleza. Como diligente escultora, desbasta as imperfeições das formas de pessoas e coisas, tornando-as simétricas, bem-proporcionadas e com aparência de perfeitas, quando de fato não o são.
Há uma certa confusão na determinação do que é belo ou, simplesmente, bonito, elegante, suntuoso, gracioso e/ou atraente. Não se tratam de palavras sinônimas, mas de nomeações de conceitos bem diferentes entre si, embora possam parecer iguais. O artista, todavia, sabe fazer bem essa distinção. Vive correndo, a vida toda, atrás dessa coisa arredia e sutil, que é a beleza, para perpetuá-la em versos, imagens ou sons.
O belo é o suprassumo da perfeição. É algo sem mácula, sem defeitos, sem nada a que se possa fazer a mínima restrição. Daí eu considerar que a verdadeira beleza, em toda a sua glória, majestade e esplendor, é atributo exclusivo de Deus. Nós, humanos, temos que nos contentar com seus meros reflexos, em menor ou maior intensidade, não importa.
É por essa razão que a imaginação é essencial para captarmos o belo e tentarmos reproduzir, com o máximo de autenticidade e veracidade, com o talento que eventualmente contarmos, em versos, imagens e sons.
O artista batalha a vida toda em busca desse pálido reflexo de beleza e, na maior parte das vezes, se frustra. Por que? Porque a beleza suprema é interdita a nós, humanos. É, como tudo o que é perfeito, atribuição e característica exclusivas de Deus.
Frise-se que o amor á beleza não faz de ninguém, automaticamente, um artista. Todos nós amamos o que entendemos que seja o belo que, na verdade, não resiste à mais superficial análise para revelar suas inúmeras imperfeições. Isso, contudo, não se trata de arte, porém de mero gosto.
A beleza que as pessoas comuns amam é a virtual, a aparente, a superficial, a que logo fenece, murcha, se decompõe e se desfaz, que revela a todo o momento toda sua efemeridade. O artista, porém, é dotado de certo talento interdito à maioria. Alguns consideram, até, essa característica que possui como maldição, pois faz dele eterno insatisfeito, sempre em busca do impossível: do perfeito, do irretocável, do verdadeiro e do sublime.
O pouco de beleza que consegue criar, todavia, lhe dá esse status, mais raro do que se pensa, que poucos mortais conseguem obter. O que cria, pode até despertar admiração nos que apreciam sua obra. Mas jamais satisfaz o artista, esse perpétuo obcecado pela beleza.
Somos (e nem seria preciso lembrar essa óbvia realidade), seres sumamente frágeis, efêmeros, mortais e passageiros. Nossa vida é tão curta, que sequer temos tempo de nos localizar em um universo imenso, provavelmente infinito, cheio de mistérios e grandeza, em perpétua mutação.
Tudo muda, a cada segundo, ao nosso redor. Por isso, tudo acaba um dia: os planetas, as estrelas, as constelações e as galáxias. É possível, por exemplo, que a Via Láctea – onde se situa o nosso sol e, por conseqüência, a Terra – tenha em seu centro um buraco negro, aspirando para o seu interior, de forma contínua e inflexível, matéria, energia e até a própria luz.
Se for um fato, é questão de tempo, não importa quanto, para que nossa galáxia, com tudo o que nela há, seja destruída e deixe de existir. E que, em seu lugar, reste, somente, minúsculo concentrado de matéria, energia e de luz, de peso e densidade absurdamente elevados. Daí ser impossível deixar de dar razão ao escritor Charles Ramuz, quando afirma: “É por tudo ter de acabar que tudo é tão belo”.
Mas a beleza que o artista persegue, a conceitual e não a meramente virtual, é esquiva, caprichosa e escorregadia. Honoré de Balzac escreveu o seguinte sobre ela, no conto “Obra-prima ignorada”: “A beleza é uma coisa severa e difícil que não se deixa alcançar à vontade, é preciso esperar suas horas, espioná-la, acossá-la, enlaçá-la firmemente para obrigá-la a render-se”. Estes são meu empenho e meta.
Dedico cada dia da minha vida a essa inglória tarefa. Jamais chegarei onde quero – estou plenamente consciente das minhas limitações – mas nem por isso desisto de tentar. Espiono, o tempo todo, a beleza. Acosso-a. Faço-lhe incessante cerco. Quem sabe, um dia, vença-a pelo cansaço. Quem sabe consiga enlaçá-la firmemente, fazê-la sentir minha paixão, contagiá-la com minha excitação e obrigá-la a, finalmente, render-se, como se faz com a mulher que excite nossos desejos e se faça de difícil. Quem sabe...