Thursday, July 31, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Gastamos tempo imenso em “nos preparar para a vida”, aprendendo, experimentando, tentando e nos instruindo para viver. Alguns, todavia, sequer têm tempo para pôr em prática todo esse aprendizado, colhidos que são, antes de exercitar o que aprenderam, pela morte. Outros tantos (diria, a maioria), prolongam indefinidamente essa preparação para a vida e nunca a põem em prática. Quando pensam em fazer isso, já não há tempo. O que temos que fazer é viver e aprender, mas simultaneamente. É não perder nenhuma oportunidade para usufruir as delícias ao nosso alcance. É sermos naturais e espontâneos e abertos às boas experiências, sem receio de falhar ou de se ferir. Concordo com o autor do romance “Dr. Jivago”, Boris Pasternak, quando constata: “O homem nasceu para viver e não para se preparar para viver”. Embora seja o óbvio, poucos se dão conta do erro que cometem ao abrirem mão da vida vivida com plenitude.

Sombra duma sombra


Sombra duma sombra

Pedro J. Bondaczuk

O escritor, filósofo, filólogo e historiador Joseph Ernest Renan, que viveu, na França, no século XIX, analisando os acontecimentos do seu tempo, escreveu, certa feita: “Estamos vivendo à sombra duma sombra. Em que viverão os povos que nos sucederem?” Boa pergunta. Se estivesse vivo, o que acharia do tipo de vida que se leva hoje, em pleno século XXI? Certamente, estaria decepcionado. A maioria de nós está!
A maneira de encarar o futuro, tanto do otimista, quanto do pessimista, é bastante parecida, variando, apenas, de intensidade. O primeiro, por exemplo, tem “certeza” de que ele será brilhante e feliz, muito melhor que o presente. Já o segundo, manifesta, apenas, “esperança” que venha a ser assim.
É verdade que via de regra ele afirme, em conversas, (mesmo que não sinta isso), achar que o futuro será pior do que o presente. Está em sua natureza apostar no negativo. Mas no íntimo, não espera pelo pior. Pelo contrário. Como se vê, em ambos os casos, tanto o otimista, quanto o pessimista, não se baseiam em fatos. Afinal, o futuro é imprevisível e não passa de abstração. É o que ainda não aconteceu e pode jamais acontecer.
Estranhamente, nessa questão, os opostos, se não se tocam, pelo menos se aproximam. Diferem, apenas, na intensidade dos seus anseios. Um “afirma” que aquilo que está por vir será melhor. Outro “espera” que assim o seja. Por maior que seja a soma de conhecimentos ao dispor da humanidade, ela é ínfima diante dos segredos e mistérios da natureza que nos cerca e, sobretudo, do universo, ainda por serem desvendados. E olhem que o acervo de informações atual não é de se desprezar. Muito pelo contrário. É impossível de ser assimilado por uma única pessoa, ou por pequenos grupos delas, tamanha é a sua vastidão.
O advento da informática, por exemplo, possibilitou ao homem reunir, num só dia, conhecimentos e informações equivalentes aos gerados em vários séculos pela humanidade. Como se vê, não é a ciência que fracassou na tarefa de esclarecimento humano. Com todas suas carências, naturais na obra de um animal ainda em evolução, ela cumpre, até que razoavelmente, seu papel. Ocorre que a extensão dos conhecimentos é, virtualmente, infinita.
Há quem afirme, sem nenhuma base científica ou mesmo fundamentação lógica, que o universo, com sua dimensão infinita, foi feito à medida do ser humano. Não foi. É muita arrogância de quem pensa dessa maneira. Somos, apenas, partes ínfimas, irrisórias, totalmente descartáveis desse fenomenal conjunto.
É certo que somos dotados de razão, o que nos torna especiais, por possibilitar a compreensão, posto que ainda primária e rudimentar, do que somos e onde estamos. Mas se o universo não foi feito à nossa medida, também não nos é, particularmente, hostil. Somos uma espécie bastante adaptável e eclética e temos, ainda, muito a aprender e a superar.
Não tenho dúvidas de que, um dia, o homem haverá de conquistar outros mundos, embora sua principal conquista deva ser a de si próprio, a dos seus instintos. Por isso, não posso deixar de dar razão ao físico e astrônomo Carl Sagan, quando afirma: “O universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso: é-lhe indiferente”.
Por que o futuro sempre nos parece tão promissor, mesmo que nosso presente seja sombrio e repleto de dificuldades? Afinal, trata-se de uma contradição. Objetivamente, vivemos, a conta-gotas, cada hoje, que é o tempo em que temos condições de agir. O ontem é somente lembrança e não pode ser modificado e o amanhã, queiram ou não, é imensa incógnita.
Ocorre que o futuro é sempre movido a esperança. Contamos que, nele, as circunstâncias eventualmente desfavoráveis atuais, haverão de se modificar para melhor, mesmo que pareça (e seja) improvável. O que fazemos, na verdade, é dar asas à fantasia que, como sabemos, tudo pode, mas (infelizmente) apenas no plano abstrato. No terreno do concreto...
O futuro é sempre enorme incógnita. Sabemos, apenas, com certeza, que nele iremos envelhecer e que, um dia, que desconhecemos quando, morreremos. É verdade que o passado não pode ser alterado. Devemos, pois, desprezá-lo, liminarmente, e fazer de conta que sequer aconteceu? Depende.
Caso os erros que cometemos nele possam ser reparados, é importante que o façamos o mais rápido possível. Afinal, essa é a única forma de interferência naquilo que já passou com que contamos. Todavia, as mágoas, tristezas, tropeços e dores que eventualmente tivemos, em alguma fase da vida, devem ser esquecidos e, se possível, apagados da memória, já que sua lembrança não nos servirá para nada, se não para perpetuar sofrimentos desnecessários e evitáveis.
Temos que substituir – em nome da nossa sanidade mental e até física – esses sentimentos negativos por gratidão, alegrias, projetos e satisfações, na tarefa de construção de um presente feliz. O passado, portanto, importa sim. Mas apenas como origem, como alicerce do que estivermos construindo agora, no tão volátil hoje. Porquanto, como afirmou Ernest Renan, “vivemos à sombra duma sombra”. Aliás, não apenas de uma, mas de múltiplas.

Wednesday, July 30, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Embora o tempo transforme a todos, sem exceções, as transformações que produz em cada pessoa raramente são iguais. Alguns conscientizam-se que, no essencial, todo o ser humano é igual, com os mesmos potenciais de grandeza e de pequenez, de santo e de demônio, de criador ou de destruidor. Estes, ao final da vida, tornam-se humildes e compreensivos e se aproximam da sabedoria. Outros, com base no que testemunham no mundo, têm a si próprios e aos semelhantes na conta de farsantes, que dizem uma coisa, mas fazem outra: tornam-se cínicos. Outros, ainda, descrêem de tudo e de todos e se transformam em cépticos. Cada uma dessas opções traz consigo as naturais conseqüências. Claro que o caminho mais sábio e prudente a seguir é o da humildade. Porém... Milton Hatoum é quem faz essas constatações, no romance “Dois irmãos”, em que diz, em determinado trecho: “O tempo faz alguém se tornar humilde, cínico ou céptico”.

Fracassos regulares


Pedro J. Bondaczuk

Os fracassos, assim como os sucessos, são condições normais do jogo da vida. Quem joga sabe que (óbvio) poderá perder, empatar ou ganhar. E só. Não há outros resultados intermediários, apenas estes três. O que não podemos é desanimar face aos insucessos, quaisquer que sejam, e por causa de um deles (ou de vários, não importa) deixar de tentar novos empreendimentos, por medo de fracassar de novo. Devemos fazer com que nossas derrotas sejam “didáticas”, que nos ensinem alguma coisa e que cresçamos, e nunca nos sintamos diminuídos, com elas. Difícil? Sem dúvida.
Ellis Regina emplacou um enorme sucesso com a canção “Aprendendo a jogar”, composta por Guilherme Arantes, cuja letra diz, logo na introdução: “Vivendo e aprendendo a jogar/vivendo e aprendendo a jogar/nem sempre ganhando/nem sempre perdendo/mas aprendendo a jogar”. Não deixa de ser uma lição de vida, mesmo que amarga.
Raríssimos são aqueles, por exemplo, que nunca fracassaram no amor. Alguns, inclusive, fracassam logo de cara, na conquista, por diversos motivos. Isso pode ocorrer ou porque escolheram a pessoa errada para amar, que não tem a mínima condição de lhes corresponder; ou por uma abordagem infeliz quando não desrespeitosa ou por tantas e tantas e tantas outras razões.
O mais comum é o fracasso vir no curso do relacionamento. Há quem ache que o amor seja eterno e nunca acabe. Pura ilusão! Até pode durar toda uma vida, caso seja preservado. Sábia, porém, é a lição do “poetinha”, Vinícius de Moraes, que concluiu: “o amor é terno... enquanto dura”. Poderá, sim, durar a vida toda, se os parceiros mantiverem o mesmo interesse, atenção e carinho do início do relacionamento. Caso contrário...
O amor, se não tratado com os devidos cuidados, esfria, esmorece e, finalmente, morre. Se a “morte” for recíproca, tudo bem, o sofrimento é menor. Trágico, no entanto, é quando um dos parceiros deixa de amar e o outro não. Este último verá, subitamente, o paraíso transformar-se em inferno..
A propósito de fracassos e sucessos, uma pergunta se impõe: quem é mais importante na ordem geral das coisas e do tempo: o que planeja determinados empreendimentos que beneficiem a coletividade ou o que os executa? Diria que ambos são necessários. Mas, na escala de importâncias, se tivermos que optar por algum deles, importa mais, muito mais, o que faz, do que a pessoa que se limita a planejar.
O motivo é simples: o planejador, caso não conte com quem execute o que planejou, verá seus planos irem todos por água abaixo, restritos ao mero terreno da vontade, quando não da fantasia. A tendência, todavia, é a de se inverter a premissa e não se valorizar devidamente o trabalhador.
Poucos atribuem méritos a quem torna concretas todas as idéias, por mais complexas e aparentemente impossíveis de serem executadas que sejam. Esse sim, embora não reconhecido, é que tem verdadeira grandeza. Aos olhos do mundo, contudo, é um fracassado.
Somos, muitas vezes, críticos em demasia dos defeitos e comportamentos alheios, sem atentarmos para o fato de que, não raro, temos as mesmas deficiências que, tão enfaticamente, condenamos nos outros. Cobramos, por exemplo, mais solidariedade, todavia, é comum passarmos indiferentes diante de pessoas carentes, sem dar ouvidos aos seus apelos, agindo como se passássemos diante de algum objeto inanimado, de um poste, por exemplo.
Reclamamos, de forma enfática, quando algum pedido nosso (muitas vezes absurdo e exagerado) deixa de ser atendido, mas ignoramos os que nos pedem as coisas mais corriqueiras e triviais, como um gratuito sorriso de simpatia. Levantamos o dedo acusador contra os ingratos, mas nos esquecemos de agradecer o tanto que fazem por nós, achando que se trata de obrigação alheia o ato de nos servir.
O gênio, o indivíduo considerado excepcional naquilo que faz – nas artes, na ciência, na filosofia etc.etc.etc. – tem, como principal característica, o fato de estar à frente do seu tempo. Fracassa, como todo o mundo, mas sabe extrair lições desses fracassos.
Suas grandes “ferramentas”, que o distinguem dos demais, são a intuição e a capacidade ímpar de previsão, de enxergar sempre mais à frente que as pessoas comuns. Suas ações, porém, não raro, determinam o futuro da coletividade e, em certos casos, até da humanidade.
O curioso é que, via de regra, o gênio é incompreendido pelos contemporâneos. É tido, na maioria das vezes, como meramente excêntrico, exótico, quando não maluco. Quase sempre é reconhecido (quando o é) apenas muitos anos após sua morte. Ele próprio não se reconhece como tal e manifesta sua genialidade não por palavras, mas por idéias e ações.
Que se danem, pois, os fracassos! O que importa é continuar, fazer, tentar, persistir, mas errando cada vez menos, até que não se erre mais nada e nunca. Não faz mal que os fracassos sejam regulares, desde que diminuam progressivamente. Afinal, eles são sinais de que seguimos persistindo e não entregamos os pontos. Um dia, a vitória vem. Às vezes minúscula. À vezes, apenas pequena. Mas, de repente... Vem uma estrondosa e definitiva vitória e, não raro, a glória. Pois é: “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas sempre aprendendo a jogar!”, é o que importa.

Tuesday, July 29, 2008

REFLEXÃO DO DIA


O tempo é, simultaneamente, nosso mais benigno amigo e nosso mais feroz inimigo. Dá-nos satisfações, sucessos, amores, lembranças, experiências e, por fim, sabedoria. Mas, em contrapartida, causa decadência física, sulca de rugas nosso rosto, pinta de grisalho nossos cabelos, suprime o brilho do entusiasmo dos nossos olhos e, por fim, nos suprime, sem piedade ou contemplação, do mundo dos vivos. Trata-se de lei inflexível da vida. Mas o tempo é justo, é democrático e não faz distinções. Causa esses mesmos efeitos tanto no rico quanto no pobre; tanto no poderoso quanto no humilde. Will Durant escreveu o seguinte, a esse propósito, em seu livro “Filosofia da vida”: “O tempo é o nosso maior amigo e também o nosso maior inimigo; dá-nos sabedoria e dá-nos a morte. Que existe no mundo de mais imperdoável que o murchar da flor – esse transitório da beleza que morre com a maternidade?”.

Como um grãozinho


Pedro J. Bondaczuk

O renascimento, ou seja, a volta de uma pessoa (qualquer que seja) à vida, com a mesma característica física e mental que tinha antes de morrer, é, objetivamente, absoluta impossibilidade. É uma hipótese restrita, somente, ao terreno da fé. Muitos crêem em ressurreição – aliás, um dos dogmas do cristianismo – para um possível (ou provável?) Juízo Final, em que todos os nossos atos, até os mais corriqueiros e banais, seriam julgados, um a um, e os que reunissem méritos por agir com correção e bondade, gozariam da vida eterna. Já os maus, corruptos, perversos e violentos... seriam destruídos para todo o sempre.
Não entro no mérito da questão. Afinal... há muito mais mistério entre o céu e a terra do que pode supor nossa vã filosofia. Contudo, em termos objetivos, à luz fria da ciência, trata-se de uma impossibilidade fatal. Não se conhece um só caso, comprovado, de alguém que tenha morrido e voltado à vida, retomando suas atividades normais.
Não me refiro a “milagres” (como o de Lázaro), pois não estou tratando de religião. Ademais, cada um crê no que mais lhe convém. Não concordo e nem discordo de quem acredita. E reservo-me o direito de não expor, publicamente, minhas crenças. É questão de foro íntimo.
Há os que crêem que essa nossa parte imaterial, essa energia que comanda o nosso organismo e nos faculta contarmos com o exercício da razão, denominada de “alma”, é imortal. Muitos, inclusive, acreditam em reencarnação. Respeito, reitero, essa e todas as crenças. Mas...
Vou fazer uma provocação com o paciente leitor. Suponha que, de fato, fosse possível recomeçar a vida do princípio, que houvesse a possibilidade de regressão física ao útero materno para um novo nascimento, como você viveria esse recomeço? Fiz essa pergunta, há algum tempo, numa roda de amigos e as respostas foram as mais variadas possíveis. Era de se esperar.
Uns, disseram que viveriam exatamente como já viveram, repetindo tudo o que passaram, pensaram e fizeram tim-tim por tim-tim, sem mudar absolutamente nada. Outros, porém, foram radicais e confessaram que fariam as mais variadas mudanças, desde a família em que nasceram, ao país, condições econômicas, sociais, profissão, aptidões etc.
É impossível, claro, medir o grau de sinceridade de cada resposta. Desconfio que a maioria (se não a totalidade), mentiu, mesmo que inconscientemente, não apenas para o informal pesquisador (no caso, eu), mas cada um para si próprio. Enfim... Ademais, o estado de espírito dos amigos, quando responderam à questão, certamente foi decisivo.
Quem se sentia feliz naquele momento, não queria mudar nada. Quem estava infeliz... Da minha parte, caso renascesse, mas com a experiência e os conhecimentos que já tenho, não faria, também, nenhuma mudança. Claro, se pudesse me valer desse acervo e ele não me fosse apagado da memória. Caso contrário, não valeria a pena arriscar o certo pelo incerto.
Diz-se, amiúde, por aí, que o tempo é o melhor remédio para “todos” os males. Nem sempre é assim. O que está errado nessa afirmação é a generalização. Alguns males, que esgotam os seus efeitos no exato instante que acontecem, por não poderem mais ser remediados, devem, sim, ser esquecidos. É o mais lógico, prático e prudente a se fazer. Para estes, o tempo é, de fato, a solução.
Mas há situações em que pendências não-resolvidas continuam gerando efeitos nefastos, que apenas cessam de nos prejudicar quando solucionadas. Se não resolvidas, elas tendem a se tornar mais graves, progressivamente, e, por conseqüência, mais prejudiciais quanto mais tempo durarem.
Há coisas que não podem ser deixadas sequer para o amanhã, quanto mais para um futuro remoto. Temos que ter sensibilidade e sabedoria para identificar essas situações e não deixá-las pendentes. Imaginem renascer (caso fosse possível, reitero) tendo que administrar essas pendências! Seria muito mais prudente solucioná-las “nesta” vida ou esquecê-las de vez, caso houvessem esgotado seus efeitos.
Se porventura fossem apagados da minha mente os conhecimentos que já tenho e as lembranças do que vivi, e se eu viesse a renascer com o cérebro “virgem”, sem nada nele registrado, como uma folha de papel em branco, deixaria por conta do acaso o novo roteiro da nova vida, correndo os naturais riscos dessa escolha.
Provavelmente, viveria como o poeta norte-americano Philip Levine descreve, nestes magníficos versos: “Deixe-me recomeçar como um grãozinho/de poeira apanhado nos ventos noturnos/deslizando para o mar.../Uma pequenina criança sábia que desta vez vai amar/sua vida, porque ela é diferente de todas as outras”.

Monday, July 28, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Sem nos darmos conta, a partir de determinado momento de nossas vidas, nos tornamos escravos do tempo, presos a horários e relógios, a compromissos que julgamos importantes e que, na verdade, pouco importam. Esquecemos do fundamental, que é viver, usufruir das delícias do amor, sem prazo ou compromisso e de privar do prazer de uma amizade sincera e sadia. Como se livrar disso? Pela embriaguez! Não de álcool, claro, mas de arte, de poesia, de bondade, de virtude e, sobretudo, de beleza, gozados com genuíno entusiasmo, com sincero prazer, sem atentar para horários, compromissos marcados ou relógios. Charles Baudelaire dá o seguinte conselho, no poema “Embriagai-vos”, do livro “Pequenos versos em prosa”: “Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor”. Não aceitemos a escravidão do tempo!

Pudor da adolescência


Pedro J. Bondaczuk

A adolescência é um momento crítico na vida de qualquer pessoa. É mais difícil para uns, mais tranqüilo para outros, mas é sempre complicado. É a fase caracterizada pela incompreensão. A do adolescente, até que é justificável, mas a do adulto não. Chega a ser paradoxal. Afinal, todos, algum dia, já passamos, ou vamos passar, por esse período.
Será que os que julgam os jovens com excessiva severidade não se lembram como agiam nessa fase da vida? Parece que não. Criou-se um estereótipo do adolescente (chamado, por muitos, de “aborrecente”) de rebelde, abusado, sem pudor ou autocrítica.
Claro que é uma avaliação equivocada e até burra, porque descamba para a generalização. O psicanalista argentino, Juan-David Nasio, acostumado a lidar com jovens em sua atividade profissional (portanto, sabe o que fala) traçou o perfil do adolescente-padrão, em entrevista publicada no caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo, em 9 de abril de 2000.
Entre outras conclusões, destacou: “Penso que o que define a adolescência é o pudor excessivo, a vergonha. O termo adolescência define um momento na evolução da pessoa do ponto de vista temporal, mas não do ponto de vista psíquico. Psiquicamente a adolescência é o momento em que há uma excessiva autocrítica do super-eu”.
Estudantes... É o que, na verdade, todos somos, adolescentes ou adultos, mesmo que não freqüentemos nenhuma escola e até já sejamos profissionais liberais esclarecidos e bem-sucedidos em nossas respectivas profissões.
Gostamos de ostentar nossos títulos de graduação, pós-graduação, doutorado etc. e não há mal nenhum nisso. Afinal, são comprovações de sucessos obtidos em nossa busca por conhecimento e especialização. Contudo, por mais ilustrados que sejamos, sempre teremos algo para aprender.
Até o analfabeto não deixa de ser um perpétuo estudante. Estuda, no seu caso, como sobreviver sem o grande acervo de conhecimento contido nos livros e lhe é inacessível. O indigente, por sua vez, é um estudante até mais aplicado do que a maioria, pois tem que garantir a sobrevivência. Estuda, entre outras coisas, meios para conseguir seu próximo prato de comida ou maneiras de arranjar um abrigo que o proteja da chuva, vento e frio.
Estudantes. É isso o que sempre fomos, somos e seremos, enquanto estivermos vivos. Na escola da vida, ninguém é diplomado jamais. Não são, pois, apenas os adolescentes que têm que conviver com contínuo aprendizado, que lhes confira a necessária experiência para enfrentar crises e obstáculos.
Muitos podem se mostrar surpresos com as conclusões de Nasio, enfatizando que a adolescência se caracteriza pelo pudor excessivo, pela vergonha. A idéia que prevalece é, justamente, a contrária. Ou seja, a de que o adolescente é despudorado e atrevido. Que quebra padrões de decência, estabelecendo costumes e comportamentos contrários aos que herdaram de gerações anteriores. Na verdade, isso não passa de mito.
O tempo é que interfere decisivamente na maneira das pessoas se comportarem. Transforma vários princípios morais, tidos e havidos como intocáveis em determinadas épocas, para melhor ou para pior, dependendo das circunstâncias. Raros são os valores que permanecem intactos, não por milênios ou séculos, mas até mesmo por décadas ou somente por um par de anos.
Aquilo que muitas vezes consideramos como dogma incontestável em determinada época, com as novas experiências de vida que temos, não raro cai por terra, substituído por novas convicções. Melhores? Piores? É impossível de avaliar. E esse processo de transformação não se dá, apenas, no terreno da moral, mas em tudo o que somos, pensamos e fazemos. Porquanto o tempo, muitas vezes, age como um químico desastrado, desses que misturam substâncias erradas e explodem o laboratório.
Já que julgamos, com tamanha severidade e preconceito, os adolescentes, como as futuras gerações irão nos julgar? Vão compreender nossas limitações e ignorância e nos perdoar por lhes legarmos um mundo tão imperfeito e cheio de contradições, injustiças, violências e rancores, a despeito da refinada tecnologia e dos avanços científicos que obtivemos e lhes legamos?
Podem chamar-me de visionário, mas acredito numa época em que o homem será amigo do homem. Em que o egoísmo será banido e substituído pela solidariedade e na qual reinarão, soberanas, a paz e a harmonia entre os povos, irmanados numa só nação, a Terra.
Claro que não espero que isso ocorra já amanhã, ou mesmo na presente geração. É questão de tempo, de muito tempo. Por isso, faço minhas as palavras de Bertolt Brecht, nestes versos de encerramento do poema “Aos que virão depois de nós”: “Infelizmente, nós,/que queríamos preparar o caminho para a/amizade,/não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos./Mas vocês, quando chegar o tempo/em que o homem seja amigo do homem,/pensem em nós/com um pouco de compreensão”.
Mas para que isso ocorra, temos que começar já a derrubar as barreiras do preconceito e entender o adolescente como de fato é. Só assim poderemos lhe dar a necessária orientação e não ter os jovens, apenas porque viveram menos anos do que nós, como antagonistas, que na verdade não são. Ou, pelo menos, não deveriam ser.

Sunday, July 27, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A pessoa apaixonada opera maravilhas, caso, de fato queira. Surpreende-se com a força que adquire, que lhe permite superar limitações. A paixão opera milagres e, sem nenhum exagero, nos leva a remover montanhas.. Hélio Pellegrino publicou, em 1983, deliciosa crônica a respeito, intitulada “Apologia da dor de dente”, em que diz: “Ao apaixonado, costuma-se conferir folgada autonomia, com respeito às inúmeras contingências que limitam a condição humana. Ao sopro da paixão, viaja ele pelos espaços infinitos, ‘capaz de ouvir e de entender as estrelas’ e demais substantivos celestes. A paixão – tanto quanto a fé – remove montanhas. Ela é capaz de operar milagres e, nesta medida, testemunha, de maneira irrefutável, da existência deles. A paixão é a derrota da burocracia, o subjugamento da mesmice, a superação da rotina. Ela é vôo, liberdade, transporte, êxtase”. Lindo, não é? Lindo e verdadeiro!

DIRETO DO ARQUIVO


Quando agosto vier


Pedro J. Bondzczuk


O mês de julho, geralmente tranqüilo por causa das férias de meio do ano, foi, agora em 1993, marcado por um farto noticiário. Pena que as notícias principais foram quase todas ruins. O chamado Plano Verdade, do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, não pôde sequer sair do papel, atropelado pela aprovação, por parte do Congresso, da nova política salarial, a 28ª desde 1980.

O reajuste dos salários transformou-se em verdadeira novela, que se arrastou por semanas. Culminou com a Medida Provisória do presidente Itamar Franco, restabelecendo o chamado "gatilho".

Outro tema que freqüentou as manchetes ao longo de julho foi o referente à prisão (ou não prisão, seria mais correto dizer) do empresário Paulo César Farias. Como seqüela, veio à tona a crise na Polícia Federal, contornada a muito custo, após muito ameaça e blá-blá-blá. O fato relevante, todavia, é que PC permanece em liberdade, provavelmente dando sonoras gargalhadas da nossa justiça.

A Seleção Brasileira, do técnico Carlos Alberto Parreira, ficou o mês inteiro no noticiário, incomodando, incomodando e incomodando. Ao contrário dos tempos áureos do nosso futebol, no entanto, desta vez não foi por causa de sonoras goleadas que tenha aplicado em nossos adversários sul-americanos ou em decorrência de gols com toque de magia e de genialidade, que um dia caracterizaram o jogador brasileiro. Pelo contrário!

Desta vez o que se viu foi um festival de desorganização, incompetência, falta de garra e ausência absoluta de imaginação. O selecionado "conseguiu" ser eliminado da Copa América, disputada no Equador, na cobrança de penalidades máximas, diante de uma Argentina decadente, porém aplicada. Isto depois da vexatória derrota para o Chile.

Não bastasse esse aborrecimento, o outrora "time de ouro", contando com a presença dos chamados "estrangeiros", resolveu atormentar muito mais o já massacrado e desencantado torcedor brasileiro. Conseguiu entrar para a história pelo lado mais negativo possível, conhecendo a primeira derrota que o Brasil já teve em eliminatórias de Copa do Mundo e diante da "maravilhosa" seleção da Bolívia!

Não bastasse ter perdido, o "selecionado canarinho" acovardou-se, não teve garra, temeu o adversário e o presenteou com um monumental e inesquecível frango de Taffarel.

Para culminar os desgostos do brasileiro, tivemos, em julho, a chacina da Candelária, quando três "heróis" fuzilaram oito indefesos meninos de rua (que estavam dormindo), colocando o País nas manchetes internacionais pelo lado mais negativo e deprimente possível.

Apesar das declarações dos políticos, mostrando uma indignação que na verdade não estão sentindo (indignados estamos nós com o festival de incompetência e corrupção que assola o Brasil), a despeito de matérias melosas e sentimentalóides de parcela da imprensa, os assassinos, provavelmente, ficarão impunes.

Se bobear, é capaz dos pistoleiros ainda serem condecorados com alguma medalha. Como se observa, julho deste ano passa para a história pelo seu aspecto mais negativo. E, para complicar, agosto tradicionalmente tem sido o mês das crises no País (remember o suicídio de Getúlio e a renúncia de Jânio). Mas é bom não cultivar superstições. Afinal, isto dá um azar danado!!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, da Folha do Taquaral, em agosto de 1993).

Saturday, July 26, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Existe alguma regra infalível, algum “manual de instruções” para se viver um grande amor? Não! Siga, sempre, o que seu coração mandar. Só se aprende a amar, amando. É indispensável, porém, que você não queira mostrar à pessoa amada o que não é. Seja, sempre, autêntico. Seja você mesmo, com suas virtudes e defeitos. Vinícius de Moraes aborda o tema, com graça e beleza, num magnífico texto intitulado “Para viver um grande amor”. Em determinado trecho, o poetinha recomenda: “Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto – pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo, mas também com a mente, pois qualquer “baixo” seu, a amada sente – e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia – para viver um grande amor”. Faça isso e seja feliz!

Poema do caos


Pedro J. Bondaczuk

Explosões de sóis remotos
exangues e moribundos
agitam constelações e galáxias.
Pirotecnia universal.

Força da gravidade atraindo
o pó das estrelas
no moto-perpétuo
da contínua criação.

Buracos-negros aspiram
--- vórtices inexoráveis –
matéria, energia, luz
e tudo o mais
qual Cronos,
em sua insaciável fome,
a devorar milênios.

Mundos desaparecem,
galáxias se formam,
planetas remotos
se criam e orbitam
estrelas inconcebíveis.

Sinfonia universal.
Alternância de ordem
e caos. Processo
contínuo de transformação.
Matéria e anti-matéria
sSe cruzam, se anulam
em pavorosas explosões.

E num ponto remoto
do vácuo, distância
inconcebível do zênite
milagres se multiplicam.
Silêncio: brota
do contínuo caos
uma nova estrela.


(Poema composto em Campinas, em 16 de setembro de 1965).

Friday, July 25, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Não existe energia mais poderosa, na face da terra, do que o amor. É uma força motivadora que se torna irresistível se bem-canalizada. Supera, em muito, os fenômenos da natureza, como ventos, a luz do sol, ondas, marés e a própria gravidade. Exagero? Reflita a respeito e chegará à conclusão que não. Seria possível, então, utilizar essa magnífica força para iluminar cidades, mover veículos, acionar máquinas e impulsionar o progresso? Ainda não! Mas nada é impossível para a ousadia humana. Pierre Teilhard de Chardin acredita nessa possibilidade e a expressa, nessas palavras poéticas (e, quem sabe, proféticas): “Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as marés e a gravidade... utilizaremos as energias do amor. Então, pela segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo”. Você duvida? Eu não, pois estou ciente do poder e da magia desse poderoso sentimento!

Definição de eternidade


Pedro J. Bondaczuk

O conceito de eternidade é um dos mais difíceis (senão impossíveis) de serem entendidos por nós, já que, óbvio, somos todos mortais e com tempo restrito (e desconhecido) de vida. Não conhecemos nenhum ser que já tivéssemos visto de perto ou de quem tivéssemos mesmo que esparsa notícia, que tenha sido ou que seja eterno. Não existe quem viva para sempre, sem sofrer os desgastes e os efeitos da passagem do tempo.
Há alguns animais (como o elefante, a baleia e a tartaruga) que chegam a viver centenas de anos, se não forem, claro, molestados pelo homem. Mas essa longevidade não sugere, sequer palidamente, que sejam “eternos”. O que são, por exemplo, duzentos, quinhentos, mil anos para a eternidade? Ou cinco bilhões deles? Ou, atém alguns trilhões e por aí afora? Não são nada, óbvio!
Quando se fala em eternidade, o único parâmetro que nos vem de imediato à mente é Deus. Mas Este ninguém vê, embora sinta a sua presença e existência por todo o lado para o qual olhe, por suas concretas manifestações. Se não existisse, nada, absolutamente nada existiria! Vê-lo, porém, ninguém viu e nem poderia, tamanho, certamente, é seu esplendor e grandeza.
Como só entendemos, de fato, as coisas pela experiência pessoal, quem disser que entende o sentido lato da palavra “eterno” só pode estar mentindo ou estar profundamente equivocado. Definições até que existem várias (na maioria, plausíveis), mas definir nem sempre significa entender. E este é um desses casos.
Esta é uma das situações em que as duas expressões (definição e entendimento) não se combinam. Para Anicius Manlius Torquatus Severinus Boethius (mais conhecido como Boécio), filósofo e estadista romano, por exemplo, eternidade é “interminabilis vitae tota simul et perfecta possessio”. Ou seja, “posse perfeita e simultaneamente total de vida interminável”. Definição perfeita! Mas no fundo da alma, com toda a sinceridade, é possível aferir se ela é correta ou não? Por qual parâmetro? Pois é! Definir não é, de fato, “entender”.
Algumas pessoas, no entanto, esbanjam arrogância com os conhecimentos que têm. Julgam-se oniscientes e acham que entendem tudo o que as cerca, como se isso fosse possível. Não é. É pura empáfia! Temos, apenas, pálida, palidíssima, restrita, restritíssima, mínima, ínfima idéia de onde estamos e como tudo o que nos cerca funciona.
O homem ainda está engatinhando, em termos de sabedoria, a despeito dos avanços da ciência e, sobretudo, da tecnologia. Desconhece o que é primário, elementar, fundamental para que se considere sábio. Não consegue, sequer, intuir os conceitos de infinito e de eterno, que não cabem em seu entendimento.
Com seus parcos instrumentos e sua mente maravilhosa (é verdade), porém limitada, tem a veleidade de estabelecer limites para o universo e até um princípio e fim. Tolice. Todavia, devemos insistir na tentativa de entendimento não só dos conceitos citados, mas de tantos outros. O conhecimento não ocupa lugar no nosso cérebro e nos confere segurança e lucidez. Quanto mais pudermos saber, melhores seremos.
Quanto mais ecléticos formos, desenvolvendo múltiplas habilidades (o máximo que pudermos) maiores serão nossas chances de compreensão do universo e, conseqüentemente, de obtermos sucesso na vida. Compete-nos buscar, sempre, a pluralidade, nunca a singularidade.
Devemos direcionar nosso espírito tanto para as artes, quanto para as ciências (que não são excludentes, como muitos pensam); tanto para a objetividade, quanto para a subjetividade, a fantasia e a criatividade. Nosso potencial de aprendizado e de retenção de conhecimentos é imenso, virtualmente indimensionável, já que, ao longo de toda uma vida, não preenchemos, sequer, 5% (no caso dos gênios) dos bilhões de neurônios que o nosso cérebro contém.
Daí ser possível (e desejável) a pluralidade. Aliás, o universo é plural. A matéria o é. A energia tem essa característica. As leis que os regem são múltiplas e complexas. Tudo é plural na vastidão do espaço. Por que não sermos também? Esse é o sentido desta recomendação de Fernando Pessoa, num dos seus tantos textos: “Sê plural como o universo!”. Provavelmente na pluralidade infinita esteja a definição mais exata e rigorosa de eternidade. Minha singularidade atual, porém, não permite que diga isso com segurança.

Thursday, July 24, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Nossos medos muitas vezes nos impedem de viver plenamente as delícias do amor. Tememos entrar, por exemplo, em determinados relacionamentos já antevendo o seu fim. Assim, não dá certo mesmo. Temos o receio de sofrer com a separação. Fazemos do amor um jogo, uma guerra, um confronto, cheio de táticas, estratégias e “espertezas”, o que tira, claro, sua espontaneidade. Affonso Romano de Sant’Anna nos dá algumas dicas de como proceder face à pessoa amada, na crônica “Aprendendo a amar”. Recomenda: “Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme, como: a sinceridade; não dar certo; depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito); abrir o coração; contar a verdade do tamanho do amor que sente. Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede ser”.

Céu sem fronteiras


Pedro J. Bondaczuk

A imaginação, se levada para o lado negativo, deixa de ser nossa principal aliada e fonte de toda a criatividade, para se transformar num tormento de gigantescas proporções. Por exemplo, às vésperas de enfrentar alguma situação desagradável, da qual não possamos fugir, nossa tendência é fantasiar o que ainda não aconteceu e projetar na mente sofrimentos e conseqüências terríveis.
Quando, finalmente, encaramos o que nos afligia, percebemos, surpresos, que aquilo não era tão ruim e trágico quanto imaginávamos que seria. Ou seja, é como o povo freqüentemente diz: “o diabo não é tão feio quanto o pintam”. Por isso, devemos, sim, dar asas à imaginação, mas apenas nas coisas positivas.
Nas situações adversas, mandam o bom-senso e a prudência, devemos dar ouvidos, única e exclusivamente, à razão. Agindo assim, evitaremos sofrimentos inúteis e desnecessários e manteremos o desejável equilíbrio psicológico e emocional.
Se é verdade que a imaginação, mal-direcionada e utilizada sem critério e sabedoria, pode se transformar em terrível adversária para nós, se usada com inteligência e tirocínio, torna-se poderoso instrumento que nos leva a operar maravilhas.
Distorcida, transforma-se em potentíssima lente de aumento, que amplia, desmesuradamente, os males e os perigos. Tende a nos fazer ver, por exemplo, uma formiga como se fosse um elefante e este, como um dinossauro.
Todavia, a imaginação sadia e bem-direcionada não tem limites. Foi, é e sempre será a fonte de toda a criatividade, que nos impulsiona ao progresso e às grandes realizações. O que seria das artes sem esse fantástico ingrediente? E das idéias, da ciência e da tecnologia? Nada, não é mesmo? Seu alcance é ilimitado e nos torna poderosos, muito mais do que possamos supor.
O “cenário”, contudo, – embora não seja fator determinante – ajuda a darmos asas à imaginação. Por exemplo, em uma noite calma e clara de luar e de céu estrelado, nosso pensamento viaja, livre e solto, por mundos desconhecidos, por entre as constelações de estrelas (das quais somos, literalmente, pó) vislumbrando planetas que talvez sequer existam (provavelmente), mas cujas imagens, em detalhes, consegue criar em nossa mente.
O mesmo já não ocorre – não pelo menos com a mesma facilidade – em dias nublados e cinzentos, nos quais imperem a melancolia e a saudade. Essas ocasiões são mais propícias à introspecção, a calmas e preguiçosas “viagens” pelo nosso interior, descobrindo (ou redescobrindo) imagens guardadas no fundo do cérebro por anos ou até por décadas e que sequer nos dávamos conta que estavam ali.
Paulo Mendes Campos descreve, numa de suas crônicas, o cenário ideal para a imaginação voar livre e veloz. Antes de citar o que escreveu, cabem, aqui, algumas considerações sobre esse escritor mineiro, do qual sou grande admirador e que considero injustiçado, se for levada em conta a qualidade da sua obra.
Curiosamente, ele relutou muito em abraçar o que sempre foi a sua grande e nítida vocação (para os outros, não para ele) a literatura, embora tenha sido um literato precoce. Seu sonho, na verdade, (nunca realizado), era o de ser aviador. Tinha fascínio por aviões e, não tanto por eles, mas pela altura, pelo céu, principalmente quando azul e sem nuvens. Estudou Odontologia, Veterinária e Direito, mas não concluiu nenhum desses cursos.
Foi parar no jornalismo. Primeiro, atuou como repórter (e dos bons). Depois, cansou de bater pernas nas ruas e ganhou uma coluna de crônicas diárias, o que lhe possibilitou não precisar mais sair da redação à cata de notícias. Mostrou-se, nessa função, um redator sumamente criativo (e imaginativo), comparável a seus colegas da chamada “geração mineira” da Literatura, como Otto Lara Resende, Murilo Rubião, Fernando Sabino e Hélio Pellegrino.
Sem exagero algum, comparo Paulo Mendes Campos ao “rei dos cronistas” brasileiros, Rubem Braga (este, todos sabem, era capixaba) embora cada qual, claro, com seu estilo característico. Quando, no início da adolescência, cursava o ginásio, na cidadezinha de Cachoeira do Campo, um padre, que era seu professor de Português, previu: “Você ainda será escritor”. Mas o menino imaginativo não queria nem saber das letras. Sonhava em pilotar aviões, de todos os tipos e tamanhos, o que nunca conseguiu.
Para nossa felicidade (minha, particularmente, que o tenho como um dos meus referenciais na crônica), seu velho mestre ginasial acertou em cheio nas previsões. Paulo Mendes Campos acabou se tornando escritor (e que escritor!). Tive a felicidade de ler a maioria dos 24 livros que publicou. E tenho uma coleção enorme das suas crônicas publicadas na Revista Manchete.
Em uma delas, intitulada “De um caderno cinzento”, datada de 17 de agosto de 1967, pincei este trecho que se refere ao cenário ideal para as “viagens” da imaginação: “Céu azul não conhece fronteira de sombra; céu azul é indispensável antes de tudo aos cegos; azul do céu não é cor, mas uma qualidade do mundo, uma luminosidade apreensível por todos os sentidos, fragrância, convivência mais delicada, concerto de sons, transparência do universo”.
Como se vê, dei voltas e mais voltas, como o próprio mundo dá, e retornei ao ponto de origem destas descompromissadas divagações. A imaginação é, mesmo, assim: veloz, imprevisível e não raro dispersiva e caótica. Por isso, precisa ser direcionada, e sempre, para o lado positivo e belo da vida. E tem, por isso, como campo preferido de atuação, o espaço, ou seja a imensidão sem limites, o céu sem fronteiras.

Wednesday, July 23, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A verdadeira amizade, aquela com a qual é uma bênção e um privilégio podermos contar, se distingue da falsa por uma série de condicionantes. Supõe entendimento pleno, irrestrita e mútua confiança e aguçada memória, que impede que esqueçamos tudo o que seja importante, para que esse relacionamento seja sólido e duradouro. Todavia, a condição essencial para que esse sentimento exista, e sobreviva ao tempo e às circunstâncias, é a fidelidade. Sem ela, não se pode, sequer, cogitar em amizade. Amiga é aquela pessoa que temos a absoluta convicção de poder contar em qualquer situação ou lugar. Supera todo e qualquer interesse particular e mesquinho. Amizade é a absoluta partilha de sentimentos e ideais. É uma espécie de amor gratuito, sem exigências ou regras. Gabriela Mistral escreveu a propósito: “Dizer amizade é dizer entendimento total, confiança rápida e grande memória: é dizer fidelidade”.

Humildade lúcida


Pedro J. Bondaczuk

Confundimos, via de regra, conceitos simples e tornamos complexo aquilo que de fato não é. Duas virtudes indispensáveis na vida, geralmente mal-entendidas, são, vira e mexe, desvirtuadas e ganham conotação de defeitos: humildade e coragem.
Há quem entenda (erroneamente, claro) que ser humilde é se apequenar diante do próximo, o considerando superior em todos os aspectos. Engano. É, isto sim, ter consciência da própria força e das potencialidades, mas também das limitações. É saber que, por maiores que sejam os nossos recursos, talentos e habilidades, são insuficientes para as necessidades da vida. É, antes de tudo, contar com o indispensável senso de proporção e com a benfazeja autocrítica..
Já a coragem não é, como alguns pensam, se atirar de cabeça contra quaisquer perigos, sem sequer atentar para as conseqüências. Isso é temeridade, senão irresponsabilidade e tendência suicida. Ser corajoso não é isso.. É, isso sim, fazer, com determinação, cautela e método, o que tem que ser feito, sem bravatas ou ostentações.
O saudoso escritor e psicanalista Roberto Freire escreveu o seguinte, a propósito, em sua coluna “Cidade Aflita”, publicada no jornal Última Hora em 17 de dezembro de 1964, sob o título “Mano aí, sim”: “Viver integralmente o nosso mundo, sem preconceito algum, aceitando suas contradições como forças naturais e sociais em choque, à procura de uma síntese evolutiva, eis a posição do homem de humildade lúcida e de coragem despretensiosa. Não se trata de uma posição passiva, absolutamente. Condenar apenas esta ou aquela atitude, aplaudir outras, vivendo cômoda e covardemente à margem da realidade atual, boa ou má, esta sim, seria a passividade condenável”.
O perdão, por sua vez, é uma das atitudes mais nobres e superiores que podemos ter face aos semelhantes. É, simultaneamente, humildade e coragem e, sobretudo, ato de sabedoria, posto que, como seres imperfeitos e falíveis que somos, freqüentemente, precisamos ser perdoados pelos agravos (reais e/ou imaginários) que causamos ao próximo. E se não soubermos perdoar quem nos ofenda, não há como pretender que sejamos perdoados quando ofendermos alguém.
Não por acaso, o Mestre dos Mestres, Jesus Cristo, fez desse ato sublime e nobre um dos pontos centrais dos Seus ensinamentos. Parece que não aprendemos nada a respeito. Não raro, nos recusamos a perdoar, até (ou principalmente) as pessoas que dizemos amar, mostrando, na prática, que nosso tão apregoado amor não passa de falsidade. s pessoas que dizemos amar, mostrando, na prte s see causamos ao pr e fale si pr
Existe alguma regra infalível, alguma norma de conduta eficaz para orientar uma conversação útil e proveitosa? Há algum dicionário específico que contenha as palavras adequadas a serem usadas nessas ocasiões? Não, não existe. Mas há uma atitude que podemos e devemos adotar como regra: sensatez.
A pessoa sensata não sai por aí falando, a torto e a direito, mal da vida alheia. Não inventa rótulos para aplicar aos desafetos e nem perde tempo com conversas vãs, que somente quebram o silêncio (que é tão precioso nesta época de tanto barulho) por absolutamente nada.
A conversação sadia versa sobre idéias, opiniões e conceitos a respeito de valores, de forma equilibrada e respeitosa, sem que ninguém tente impor, a ferro e fogo, seus próprios conceitos aos interlocutores. Consiste em diálogo, nunca em maçantes monólogos.
Entre as muitas palavras ambiguas, geralmente consideradas sinônimas sem que o sejam, duas se destacam: orgulho e vaidade, ambas antônimas (cada qual à sua maneira) da humildade. A primeira, traz em si, embutida, uma opinião. Já a segunda, reflete, antes de tudo, um desejo secreto (raramente admitido pelo vaidoso).
Conheço pessoas orgulhosas, de nariz empinado, que se acham o supra-sumo da perfeição, mas que não têm um pingo de vaidade. Não se importam nem um pouco com a aparência, com a ostentação e nem com o que os outros pensam delas. Suas opiniões sobre elas mesmas lhes bastam.
Também são muitos os vaidosos que não nutrem qualquer orgulho. Querem ser admirados, mas no fundo da alma acham que não são tão bons como gostariam de ser. A escritora inglesa, Jane Austen, esclarece, a respeito: “O orgulho relaciona-se mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós”.
Melhor, claro, é deixarmos de lado qualquer laivo de pretensão e nos revestirmos da humildade lúcida e da coragem despretensiosa. Agindo dessa maneira, certamente jamais precisaremos pedir perdão a quem quer que seja por eventuais agravos. Mas, se ainda assim alguém se julgar ofendido por nossas palavras ou pela nossa postura, não devemos hesitar um só momento. Pertinente ou não a queixa alheia, jamais tenhamos a vergonha, ou a vaidade, ou o orgulho de pedir perdão. Isso sim é viver com coragem. É ter essa humildade lúcida de que tanto falei.

Tuesday, July 22, 2008

REFLEXÃO DO DIA


O que seria do mundo sem a existência da mulher? Em primeiro lugar, sequer existiríamos sem esse ser maravilhoso (e, para mim, tão misterioso), porquanto ela é a fonte da vida. Suponhamos, no entanto, que a natureza, por um dos seus tantos caprichos, previsse outra forma de reprodução. Creio que o mundo seria cinzento e bárbaro. Não haveria amor e a vida seria um inferno, selvagem competição em que o mais forte sempre prevaleceria. Alexandre Herculano, no romance “Eurico, o presbítero”, supôs essa possibilidade e concluiu: “Dai às paixões todo o ardor que puderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentidos a máxima energia e convertei o mundo em paraíso. Mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas o prelúdio do tédio”. Bendito Deus que, em sua suprema e infinita sabedoria, nos “presenteou” com essa magnífica companheira, fonte de emoções e da vida!

A máscara do mal


Pedro J. Bondaczuk

As pessoas que se esmeram em praticar o mal são, para mim, uma grande incógnita. Nunca consegui entendê-las e creio que jamais conseguirei. Não digo aquelas maldadezinhas inocentes, que todos, algumas vezes, praticamos. Refiro-me aos que se dedicam a prejudicar o próximo, a roubar, difamar, agredir e até mesmo matar alguém.
Quem envereda por esse caminho sem volta sabe que irá arcar com as conseqüências. Sua intuição, certamente, lhe cochicha que vai pagar duro preço por seus atos (não raro, até, com morte prematura, numa briga de marginais ou num tiroteio com a polícia), mas ainda assim persiste na maldade. Por que?
Tenho ouvido e lido muitas tentativas de justificação para o que é injustificável. Nenhuma me convence. Bertholt Brecht escreveu este poema a respeito, que diz: “Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa/máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado./Compreensivo observo/as veias dilatadas da fronte, indicando/ Como é cansativo ser mau”. E ainda assim, há quem aposte na maldade! Não entendo!
Há cientistas que garantem, sem sequer fundamentar suas conclusões em provas (como, aliás, se exige em ciência), que a tendência para o bem ou para o mal é inata nas pessoas. Ou seja, quem é mau já nasce assim e vice-versa. Estão equivocados. Não existe esse determinismo genético.
O criminalista italiano, Cesare Lombroso, chegou a escrever verdadeiro tratado sobre a personalidade criminosa, porém nunca conseguiu convencer, de fato, a maioria dos juristas. É certo que alguns aceitam até fanaticamente suas teorias, mas sem nenhuma fundamentação em provas concretas. A realidade, a todo o momento, desmente suas teses.
Muitos dos mais cruéis criminosos, pelos critérios de Lombroso, seriam verdadeiros “santos” e vice-versa. Para sustentar suas teorias, de que a maldade é inata e se prende a um determinismo genético, muitos pesquisadores citam casos de indivíduos que nascem em famílias que cultivam virtudes e valores e têm vida exemplar e, ainda assim, se tornam bandidos. Argumentam (mas nunca provam) que entre seus ascendentes houve alguém com essa predisposição para a delinqüência e o crime. Bobagem.
As pessoas não nascem más. Tornam-se assim, não em decorrência de seus genes, mas porque seus pais, mesmo que virtuosos e nobres, não sabem lhes transmitir os princípios que os norteiam. Na vida prevalece a lei natural da causa e conseqüência. O homem nasce, sim, dotado de instintos e de aptidões, mas é um animal que precisa ser “domesticado”.
Se for ensinado a “domar” os primeiros e a desenvolver ao máximo os segundos, será útil, realizado e bondoso. Em caso contrário... O que virá a ser dependerá, somente, de educação, exemplos e circunstâncias. Aliás, este último fator é o que tende a ser determinante em nosso modo de agir.
A verdade é que nos apegamos, com facilidade, a algum animal de estimação (gato, cachorro etc.) que chegamos a considerar, até, como membro da família, tamanho é o cuidado que lhe dedicamos e a afeição que nutrimos, mas nem sempre temos a mesma predisposição quando se trata de se apegar a pessoas. . E esse apego a bichos é errado? Claro que não! Afinal, são seres viventes, que se afeiçoam a nós e que retribuem, sem nada exigir em troca, nosso afeto e nossa atenção.
O que causa estranheza é o fato de, não raro, passarmos diante de uma criança abandonada, carente de tudo, às vezes até faminta e esfarrapada, indiferentes, sem que sequer a notemos, como se fosse um poste, um carro ou outro objeto inanimado qualquer.
É certo que não se pode comparar a responsabilidade de cuidar de uma pessoa com a de tratar de algum animal. Mas é verdade, também, que há muito exagero, tanto no afeto dedicado a um, quanto na indiferença destinada a outro. Por isso, concordo com João Guimarães Rosa quando indaga, perplexo: “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com o homem?”. Sim, o que houve?
A indiferença também é uma forma de maldade, e das mais cruéis e traiçoeiras. A omissão é outra. A hipocrisia, a vaidade exacerbada, a ânsia por poder a qualquer custo (e vai por aí afora) são outras tantas manifestações do mal, das quais sequer nos damos conta. E não se tratam de atitudes inatas, genéticas, adquiridas de ancestrais, mas de comportamentos que vamos adquirindo, inadvertidamente, ao longo da vida e semeando, como traiçoeiros espinhos, em nosso caminho, por anos a fio. Decididamente, nunca vou entender a opção (inconsciente) para o mal... A consciente? Piorou!

Monday, July 21, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A palavra “orgulho” é uma das tantas do nosso idioma com dupla conotação: uma positiva e outra negativa. O primeiro significado é o do sentimento de satisfação que nutrimos por alguma coisa que fazemos e que temos consciência que foi bem-feita. Ou por alguém ou algum lugar aos quais estamos afetivamente ligados. Por exemplo, quando digo que tenho orgulho de ser brasileiro, o faço para realçar as qualidades positivas que vejo no nosso povo, no qual me incluo. Mas a palavra, também, tem a conotação de empáfia, de soberba, de arrogância e pretensa superioridade. Dizemos que alguém é orgulhoso quando se julga superior a tudo e a todos e trata os que cruzam seu caminho com desdém, pouco-caso e humilhação. Foi pensando nessa atitude tola e antipática – todavia. tão comum – que Alexandre Herculano escreveu: “Orgulho humano, qual és tu mais – feroz, estúpido ou ridículo?”. Creio que as três coisas!

Resultado de angústia


Pedro J. Bondaczuk

A angústia, aquele misto de ansiedade, medo e frustração, é um dos sentimentos mais difíceis de suportar. Todavia, é a marca registrada dos artistas. Uma obra de arte, qualquer que seja sua forma de manifestação, é fruto de muito trabalho, estudo, concentração e autodisciplina.
É uma enorme bobagem achar que numa súbita inspiração, alguém irá escrever um poema como a “Ilíada”, de Homero, ou a “Eneida”, de Virgílio, ou “Os Lusíadas”, de Camões ou algo semelhante. Ou que irá pintar uma tela como Renoir, Rembrandt ou Velazquez. Ou compor uma “Nona Sinfonia”, como Beethoven. Ou esculpir uma estátua como “Moisés”, de Michelangelo ou “O Pensador”, de Auguste Rodin.
A inspiração, se existir, irá, quando muito, “sugerir” ao artista o tema a ser explorado. Todavia, a forma que adotará é que irá determinar a qualidade, beleza, transcendência e durabilidade (diria perpetuidade) da obra e até mesmo se ela vai existir ou não. O ato de criação é, portanto, uma contínua angústia: antes, durante e depois de se optar por determinada idéia.
Já escrevi, em inúmeras ocasiões, com base em experiência pessoal, que a arte precisa ser instintiva, natural e selvagem. Não me refiro à técnica de produção, claro. Mais do que outras atividades quaisquer, ela carece de método, de organização, de direcionamento da aptidão do artista. Mas a concepção, a abordagem do tema, a visão de determinado objeto ou circunstância têm que ser revestidos de autenticidade, de individualidade, de exclusividade e de muita ousadia. Trata-se da única forma de sermos autênticos.
A arte é a nossa carta de alforria. É a absoluta e irrestrita liberdade de quem a produz. Afinal, ninguém é forçado a ser artista: músico, escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal e intransferível, questão de vocação ou de talento. Ou se é ou não se é artista, não existe meio-termo.
Fazer arte, portanto, é o modo mais eficaz de que cada pessoa dispõe para ser livre, para impor a personalidade, para deixar a marca no mundo. A aceitação ou não do que o artista produzir é outra história. Vai depender de critérios subjetivos de apreciação e avaliação dos destinatários. O reconhecimento alheio, claro, foge-lhe por completo das mãos. É uma roleta-russa.
Mas a arte não comporta interferências e nem censuras. A liberdade de escolha do artista tem que ser respeitada e irrestrita. Só a ele cabe decidir sobre o que, quando, como e onde criar. Pois a arte é a nossa carta de alforria. É o nosso "DNA". ~E a nossa marca registrada. É o nosso ser. É a nossa vez. É a nossa voz...e única... Tudo isso, no entanto, tem um preço.
O que move o artista é uma contínua angústia, reitero, antes, durante e depois da produção de uma obra. No momento da inspiração, angustia-se, principalmente, ao procurar a melhor forma de expressão. Durante a execução, preocupa-se em não omitir nenhum detalhe, qualquer nuance que dê beleza ao que está executando. E, concluída a produção, fica-lhe sempre um sentimento vago, de frustração, de que não era daquela maneira que queria que a obra fosse, além do temor de ser mal-compreendido pelos que vão apreciar (e de alguma forma, julgar) o que produziu.
Por isso, o poeta Carlos Drummond de Andrade sabia o que estava dizendo ao constatar: “A obra de arte é o resultado feliz de uma angústia contínua”. E eu aduziria: cujo final jamais satisfaz o artista. Se o satisfizer, certamente ele não é do ramo. Ou então, trata-se de um neófito dessa especialíssima confraria, que ensaia os primeiros passos no mundo das artes e é dotado daquela ingenuidade característica dos principiantes.
A motivação do artista, raramente, é a pecuniária. Alguns, poucos, enriquecem com seus trabalhos. Estes, todavia, são exceções. Tanto que a maioria leva uma vida caracterizada por carências materiais de toda a sorte, alguns, até, na miséria explícita, embora dotados desse talento de transformar tudo o que tocam em ouro. Quem lucra com sua criatividade, no entanto, são os outros: editores, marchands, gravadoras etc. etc.etc.
Fosse por dinheiro, por exemplo, Vicent Van Gogh jamais produziria as telas que produziu. Desistiria à primeira pincelada. Talvez pintasse um ou dois quadros, mas só. Logo, largaria mão da arte e faria outra coisa qualquer, mais rentável, para se sustentar. Afinal, em vida, vendeu apenas dois quadros. E assim mesmo, essa venda não foi feita para nenhum apreciador de arte ou algum excêntrico colecionador. Nada disso!
As duas únicas aquisições de suas pinturas foram feitas pelo seu irmão Teo, e de forma anônima, para não agastar o artista. E hoje, quanto valem seus trabalhos? Literalmente, não têm preço! Custam fortunas, ascendem aos milhões e a procura é infinitamente maior do que a oferta. Quem tem um Van Gogh nunca comete a tolice de o vender.
Criar, dar forma e substância ao que existe apenas na imaginação é, sobretudo, descobrir mundos, às vezes fascinantes e outras, assustadores. Portanto, é ousar. É ter coragem para aceitar o risco do ridículo. É desafiar o sistema vigente com alguma novidade que muitas vezes choca a sensibilidade alheia, mas não raro encanta, deslumbra e embevece. É enriquecer o patrimônio da humanidade. É colher os frutos desse supremo dom com humildade e inquietação. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É apenas por seu intermédio que o homem verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência. Mas tem, como subproduto, intensa angústia, que se renova a cada nova produção.

Sunday, July 20, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Todo afeto, seja qual for sua natureza ou intensidade, é manifestação de amor. Amizade, simpatia, coleguismo etc. são variantes desse poderoso sentimento, inigualável, mesmo que não passe de eventual desejo incerto, daqueles que não sabemos definir. Cultivamos virtudes, talentos e características positivas não apenas para satisfação pessoal, mas para sermos apreciados (e amados) por alguém. Todas as grandes obras e realizações ao longo do tempo, que ensejaram o progresso e a civilização, tiveram, por motivação primária, o amor. Ele é o grande motivador das nossas vontades, reflexões e ações, mesmo que não o saibamos ou tentemos negar. O escritor português, Alexandre Herculano, chegou à seguinte conclusão, em seu épico “Eurico, o presbítero”: “Realidade ou desejo incerto, o amor é o elemento primitivo da atividade interior; é a causa, o fim e o resumo de todos os afetos humanos”.

DIRETO DO ARQUIVO


Quando o povo defende o voto


Pedro J. Bondaczuk


A Costa Rica está comemorando, desde ontem (com uma antecedência de 12 dias) um dos momentos maiúsculos da sua história. Trata-se da chamada “Note dos Machados”, de 7 de novembro de 1889, quando sua população, armada com paus e com pedras, saiu às ruas de todo o país em defesa de algo que sempre foi uma raridade na América Latina, e em especial na Central: o voto.

Desde a sua independência formal, em 1821, com a posterior anexação à Federação Centro-Americana, até a ascensão de Tomás Guardia ao poder (um dos nomes marcantes de sua vida nacional), essa República conheceu aquilo que sempre foi a característica latino-americana: golpes e mais golpes, ditadores e mais ditadores, numa sucessão enervante e desalentadora.

No entanto, em 1882, ganhou uma Constituição sólida e respeitável. Tanto é que até os dias de hoje, com algumas emendas, ela é a que está em vigor. E esta carta constitucional outorgava ao povo costarriquenho um direito que ele passou a julgar sagrado: o de votar.

Foi por isso que há cem anos, homens e mulheres, armados principalmente de coragem, arriscaram as suas vidas para que ninguém lhes roubasse a prerrogativa da escolha dos seus governantes. Em termos de América Latina,. a Costa Rica, por causa disso, acabou por se constituir numa autêntica exceção.

Ali, pouquíssimos foram os períodos em que não houve a sucessão de um presidente eleito, por outro escolhido mediante a vontade popular expressa nas urnas. De 1890 a 1914, houve exatamente seis eleições. E todos os ganhadores assumiram. Em 1917, o país conheceu um breve hiato democrático, com a ditadura de Federico Tinoco. Esta, todavia, para felicidade geral da nação, durou somente dois anos.

Depois disso, mais sete eleições presidenciais foram realizadas, com uma precisão incrível, rigorosamente a cada quatro anos, até que em 1948 Teodoro Picado cismou em não respeitar o resultado das urnas. Na oportunidade, o povo preferiu Otílio Ulate, a um outro político, mas as Forças Armadas sentiram-se descontentes com a escolha e tentaram impedir sua posse.

Liderada por José Figueres, a população não teve dúvidas. Mesmo sabendo dos males que a violência traz, pegou em armas, numa dolorosa guerra civil, em que, no final das contas, a razão prevaleceu. O eleito foi empossado e cumpriu em paz seu mandato. E foi tomada, em conseqüência do conflito, uma providência inédita.

As Forças Armadas costarriquenhas foram simplesmente dissolvidas e substituídas por uma Guarda Nacional, de caráter civil. Desde então, a Costa Rica nunca mais teve o mínimo arranhão em sua democracia. Tornou-se o grande exemplo de respeito à vontade popular da América Latina. Que ele seja imitado, pois, por todos os demais povos latino-americanos.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 28 de outubro de 1989).

Saturday, July 19, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Manifestar excesso de modéstia para agradar alguém deixa de ser virtude. Torna-se defeito. Significa timidez ou hipocrisia. Muitas vezes, para satisfazer a vaidade alheia, escondemos o que de fato somos, para que nosso interlocutor se sinta igual ou superior a nós. Pensamos que, dessa forma, estamos agradando essa pessoa. O poeta dinamarquês Piet Hein (um mito em seu país) traça a seguinte analogia a propósito: “Se o dente-de-leão não fosse tão solícito, generoso e fértil, tenho certeza de que seria a flor mais valiosa e apreciada do mundo, porque é tão bela, tão otimista, tão simples, tão radiosa! É infelizmente muito comum o mesmo engano na avaliação das pessoas humanas. É uma atitude generalizada a pessoa conter sua generosidade, fertilidade, imaginação, capacidade de invenção e poder criador, a fim de ser mais apreciada”. Mostremos sempre, pois, o que somos, em qualquer circunstância ou lugar.

Forma sem essência


Pedro J. Bondaczuk

Soberana poderosa da consciência,
magna aspiração dos viventes,
fonte de sabedoria e criatividade,
supremo e benfazejo ideal,
hoje te pranteio e te deploro!

Mentecaptos tiranos fizeram-te refém.
Teu manto diáfano e levíssimo,
outrora alvo, branco como a neve,
jaz roto, manchado e impuro
aos teus pés, atados por correntes.

Teu corpo, outrora virgem e inviolado,
foi violentado e prostituído
e, enfim, colocado em leilão.
É certo, não perdestes a forma,
mas roubaram-te a essência, a alma.

Tua força incontida, irresistível,
que mobilizava multidões e povos
jaz dominada e contida por grilhões.
Tua luz, outrora incontrolável,
hoje é mero pontinho incerto,
réstia trêmula e bruxoleante
da antiga e incomparável grandeza.

Deflorada virgem, hoje cínica e despudorada
meretriz, que se oferece aos algozes,
tua coroa de ouro, cravejada de brilhantes
hoje é ridículo ornamento de espinhos.

Escondes vícios e escusas ambições,
guerras e massacres ocorrem em teu nome
justificas injustiças e tiranias.
Já fostes soberana poderosa da consciência.
Mas hoje, eu te deploro, ó liberdade.

(Poema composto em Campinas, em 3 de setembro de 1965).

Friday, July 18, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A análise do significado das palavras nos enseja o aprendizado de preciosas lições.. É o caso das expressões “vontade” e “veleidade”. A primeira nos sugere força, ímpeto, ação, pois não adianta nada querer o que quer que seja sem que se busque alcançar o que é tão desejado. Já a segunda traz, implícita, uma condição, um pretexto para justificar, previamente, a inércia. Tem sempre um “se” junto de si. Quando alguém diz, por exemplo, “se eu tivesse talento, eu faria tal obra”, ela não está manifestando vontade, mas apenas veleidade. Se quisermos alguma coisa, ou pessoa, temos que lutar por elas. O Padre Manuel Bernardes escreveu, a respeito, no livro “Nova Floresta”: “Vontade é determinação eficaz de procurar algum bem desejado, ou de fugir de algum mal, que se teme; e explica-se pela palavra: ‘Quero’. Veleidade é um princípio de querer com frieza e ineficácia: e explica-se pela palavra: ‘Quisera’".

Força e persuasão


Pedro J. Bondaczuk

A educação é um processo muito mais complexo do que possa parecer aos desavisados. Requer do educador convicção do que quer transmitir, ascendência moral natural sobre o educando e paciência, muita paciência no cumprimento dessa missão. Não se educa ninguém com ameaças, intimidações e, sobretudo, castigos. Há, infelizmente, muitos que ainda acreditam nesse expediente irracional. Mas a educação é um processo racional e só a razão confere-lhe eficácia.
Não raro desanimamos quando tentamos convencer alguma pessoa que amamos a fazer determinada coisa que lhe será boa ou a não continuar agindo de maneira errada (por exemplo, quando se tenta afastá-la das drogas, inclusive do fumo e do álcool) dadas as conseqüências com que terá de arcar. Essa tentativa de convencimento de seguir determinado caminho, e não outro, também é educação.
A persuasão é poderosa, mas exige muita paciência, diálogo, compreensão e, sobretudo, amor. Claro que para persuadirmos alguém a fazer (ou não fazer) alguma coisa, devemos estar absolutamente seguros de que se trata do melhor para ele. Se houver alguma dúvida, por mínima que seja, o melhor é não nos intrometermos em sua vida.
Pior é tentar impor o que quer que seja à força para a amada, os filhos ou alunos etc. Aí, a coisa não funciona mesmo! As conquistas do espírito nunca se dão por esse meio. Todos os que lidam com idéias, princípios e valores têm (a justa) pretensão de influenciar pessoas. É uma atitude altruísta, coerente e até nobre. Precisam fazê-lo. É sua profissão (às vezes) ou missão de vida.
Todavia, isso não pode ser feito pelo expediente da força, das ameaças e da coação. Só conquistando a confiança e, principalmente, o afeto alheio, a influência será eficaz, duradoura e decisiva. Isso vale, notadamente, para pais e educadores.
Há quem tente impor a ferro e fogo princípios de conduta ao próximo. Não conseguem, claro, mesmo que esses valores sejam nitidamente corretos, construtivos e essenciais. O que está errado, no caso, não são as idéias, mas o método de exposição.
As portas do espírito são caprichosas. Só podem ser abertas por uma única chave: a do amor. Ame pois, ame profunda e sinceramente os que carecem do seu esclarecimento. Faça do afeto a sua estratégia para chegar à sua mente, mediante o caminho do coração.
Através da coação, pode-se, é verdade, levar uma pessoa a admitir que concorda com aquilo que lhe querem impor pela força. Essa admissão, todavia, será nula. Será apenas “declarada”, mas não “sentida”. Não terá nenhuma validade prática ou legal. O coagido não estará convencido da veracidade do que lhe impõem de forma tão atrabiliária.
É o caso das confissões feitas sob tortura. Que validade elas têm, principalmente se, e quando, o que é confessado não é verdadeiro? Afinal, torturado, qualquer um confessa qualquer coisa. Trata-se de um expediente covarde e vil, que já deveria estar há muito banido, notadamente neste século XXI, mas que não está.
Recentemente, a Justiça norte-americana (país tido e havido como o mais democrático e livre do mundo) desastrosamente admitiu esse expediente terrível nos interrogatórios de suspeitos de terrorismo. Trata-se de enorme retrocesso, de decisão perversa e tola, principalmente vinda de onde veio.
Exemplo típico de como a tentativa de convencer alguém mediante coação e tortura, ou seja, à força, só redunda em erro, é o caso do notável físico e astrônomo italiano Galileo Galilei Galileu, o inventor do telescópio e autor de tantos outros inventos e estudos, que resultaram num imenso avanço da ciência. Uma das suas principais constatações (que hoje é do conhecimento de qualquer criança que mal tenha aprendido a falar), contrariava um dogma da Igreja Católica. Dizia que a Terra girava ao redor do Sol e não o contrário, como os pseudo-doutos teólogos de então afirmavam, sem admitir contestações.
Quem contestasse, seria tido por herege e corria o risco de ser condenado à prisão e não raro à morte, queimado vivo em praça pública. Galileu foi instado pela Inquisição a retratar-se daquilo que tinha plena convicção de se tratar da verdade.
Conta a lenda que o sábio, após tentar convencer, em vão, seus inquisidores, abjurou, oficialmente, de suas idéias, simulando “arrependimento” e admitindo que nosso planeta era, de fato, fixo, e que o sol, a lua e até as estrelas giravam ao seu redor (que disparate!). O que nós faríamos naquelas circunstâncias? Certamente agiríamos da mesma forma, ou até pior que Galileu. Porém, ao se retirar do recinto, onde havia sido inquirido, o sábio teria dito, em voz baixa, quase que num murmúrio: “Epur se muove”. Ou seja, “mas se move”, referindo-se à Terra.
Mesmo que não passe de lenda (e se for, é bastante verossímil) fica mais do que evidenciado que, à força, ninguém o convenceu de que ele estava errado. Ainda bem. Se o convencessem, e se outros astrônomos, como Copérnico, Tycho Brae e tantos outros, considerassem os dogmas da Igreja à prova de contestações, a ciência astronômica haveria estagnado e o progresso humano também.
Séculos depois, nos anos 90, o papa João Paulo II pediu perdão, publicamente, ao cientista italiano, pelo mal que sacerdotes ignorantes lhe causaram. Claro que foi um pedido de desculpas simbólico, posto que Galileu morreu amargurado e, certamente, de forma prematura, por causa da violência que sofreu.
As pessoas fortes não temem as adversidades. Refiro-me, claro, não à força física, que é passageira e se dilui ao sabor dos anos, mas à interior, à moral, à caracterizada pela constância, persistência, perseverança e vontade. Essa é irresistível!
Quem é dotado dessas características, que não são inatas e que, portanto, podem ser desenvolvidas por qualquer um, não só não foge dos desafios que a vida lhe impõe, mas os aceita e encara de peito aberto e alma pura. E supera os obstáculos, um a um, não importa a quantidade, tamanho, natureza ou intensidade deles, com absoluta naturalidade. De cada crise que enfrenta, sai mais fortalecido e confiante.
Sabe, por experiência, que “não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe”. Essa é a única força admissível quando se quer educar alguém: a dos princípios arraigados na alma e transmitidos com amor e respeito mediante o irresistível recurso do convencimento.

Thursday, July 17, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Nada, absolutamente nada no mundo é mais veloz quando estamos distantes da pessoa amada e queremos, ardentemente, estar ao seu lado, para gozar das delícias dos seus carinhos e da sua atenção do que a imaginação. Não há nada que se lhe compare em rapidez, diria, até, em instantaneidade. Nem a lua, nem os pássaros, nem o vento, nem o sol e nem mesmo a luz, o elemento mais veloz que se conhece, conseguem ser mais rápidos. Quem ama, sabe disso, de sobejo, por ter passado inúmeras vezes por essa mágica experiência. O amor... ah, o amor! O poeta Benedito Sampaio disse tudo isso, com mais graça e beleza do que eu, nestes inspirados versos do poema “Tangolomango”: “Mas lua, tu não sais do teu sobrado!/E tu, que é das tuas asas, passarinho?/E o vento, o lerdo vento está parado,/e o sol se arrasta tão devagarinho...//Ah, só meu sonho – estás a percebê-lo?/voa e já está brincando em teu cabelo”.

Homem inacreditável


Pedro J. Bondaczuk

O verdadeiro sonhador, o idealista, o que tem obsessão por justiça, igualdade, paz e harmonia, não é o que se limita a sonhar, sem nada fazer para concretizar seus sonhos. Pelo contrário, é o que vai à luta e, contra tudo e contra todos, dedica a vida à construção desse ideal. E se fracassar? Não, ele nunca fracassa!
Seu empenho resulta, invariavelmente, em algum tipo de progresso. E essa tocha sagrada da liberdade e justiça que conduz será empunhada por outro sonhador, que a passará a outro e assim sucessivamente, promovendo contínua evolução dos povos.
Quem se limita a sonhar, sem nada fazer, é omisso. Espera que outros executem a tarefa que lhe compete. A poetisa Fabiana Bórgia define, com precisão, o perfil do verdadeiro sonhador, nestes versos do poema “Pedaços juntados”: “O sonhador/tem a alma no céu/e os pés no chão”. É esse o tipo de pessoa de que a humanidade precisa para evoluir. Ou seja, com a alma no céu, mas com os pés bem fincados no solo da realidade.
Há mais de 60 anos, em 30 de janeiro de 1948, o mundo recebeu, chocado, a notícia do assassinato de um dos homens mais notáveis que já passaram pela Terra: Mohandas Karamanchand Gandhi, conhecido como “Mahatma”, palavra que significa “grande alma”.
O irônico disso é o fato do apóstolo da não-violência haver morrido de forma tão violenta: abatido com um tiro pelo jornalista Nathuram Godse. Na oportunidade, Jawaharlal Nehru, que se tornaria primeiro-ministro da Índia, ao anunciar pelo rádio a morte do companheiro de lutas e, sobretudo, amigo (passou a adotar Gandhi como sobrenome de família), disse: “A luz apagou-se de nossa vida e há treva por toda a parte”. E havia...
Esse foi um evento que me marcou para sempre. Eu tinha, na ocasião, apenas cinco anos de idade (que havia completado dez dias antes, em 20 de janeiro) e meu pai já me havia ensinado a ler, em uma Bíblia que guardo, ainda hoje, como uma das maiores, se não a maior relíquia que possuo. Apesar de ser tão criança, fixei na memória aquele dia especial e me lembro nitidamente de tudo o que aconteceu, como se houvesse ocorrido há alguns minutos apenas. Por que? Jamais soube explicar.
Soube do infausto acontecimento ouvindo a conversa do meu pai com um senhor negro, com o qual ele tinha enorme amizade. Essa pessoa visitava a nossa casa com freqüência, diria que semanalmente, e por um motivo bastante peculiar: para praticar o idioma russo. Sim, ele falava essa língua tão complicada, que aprendera em Moscou, onde havia estudado! De volta ao Brasil, temia esquecer essa maneira insólita de falar, que para nós, brasileiros, parece tão rude e bárbara, mas que, na verdade, é sonora e bela.
Esse amigo da família trocava com o meu pai livros e revistas russos. E nos seus encontros, raramente os dois falavam outra língua que não essa. Meu conhecimento desse idioma é ínfimo, mas na oportunidade, não era tão ruim como é hoje. O tempo e a falta de prática fizeram com que me esquecesse quase que por completo do russo.
Lembro-me que meu pai estava bastante triste ao dar a notícia, que ouvira horas antes no rádio, do assassinato de Gandhi. Uma frase dele, em particular, ficou retida em minha memória de criança de cinco anos na ocasião: “Mais uma vez, a força bruta venceu a razão”. Claro que, na oportunidade, não apreendi o significado dessa declaração. E nem poderia. Com aquela idade, o que eu entendia da vida?!
Hoje, sei perfeitamente o que meu pai quis dizer e lamento profundamente que a violência ainda prepondere sobre a racionalidade. Quando do assassinato de Martin Luther King, muitos anos depois, quando eu já era jornalista e comentarista de política internacional, lembrei-me dessa frase, dita pelo meu pai. E finalizei com ela o artigo que escrevi na oportunidade, sobre a morte desse não menos notável líder negro.
Mas a manifestação mais enfática a respeito do assassinato de Gandhi foi de Albert Einstein, que declarou: “As futuras gerações talvez não acreditarão que uma pessoa assim andou em carne e osso pela Terra”. Tenho-a, comigo, em meu arquivo, extraída de uma entrevista que o físico nuclear concedeu à imprensa na ocasião.
E não é o que acontece? Ouço, amiúde, jovens afirmarem que há muito exagero na avaliação de Gandhi. Digo-lhes, invariavelmente, que estão enganados. O mártir da independência indiana foi mais, muito mais do que a imprensa falou dele. Se houve exagero, portanto, ao avaliarem-se os seus méritos, este foi para menos, muito menos. Homens com tamanha envergadura moral, lucidez e grandeza, infelizmente, são incomuns e, sobretudo, inacreditáveis. Mas existem (felizmente)!

Wednesday, July 16, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Quanta fantasia tecemos ao redor da infância, principalmente quando esta já está há décadas de distância! Por mais duros e sofridos que estes tempos remotos tenham sido, marcados por sofrimentos, frustrações, abandono e privações, eles voltam à lembrança aureolados de luz. A memória tem essa característica piedosa: fantasia a realidade, realça o que foi excelente e melhora, até, o que não foi tão bom. Não é mau que assim seja, desde que não nos limitemos às elucubrações. Enquanto há vida, há possibilidade de se viver felicidades concretas e não meramente “inventadas”. Manuel Bandeira escreveu, no poema “Contrição”: “Vozes da infância contai a história/da vida boa que nunca veio/e eu caia ouvindo-a no calmo seio/da eternidade”. Um dia, todos cairemos neste regaço da noite eterna! E ouviremos, docemente murmuradas, as peripécias, reais ou imaginadas, “da vida boa que nunca veio”.

Recompensa ou fim?


Pedro J. Bondaczuk

A palavra felicidade, junto com outros tantos conceitos ambíguos, como amor, esperança, fé etc.etc.etc. é uma das mais abordadas por poetas, romancistas, dramaturgos, psicólogos e filósofos de todos os tempos e das menos compreendidas. Há pessoas que são absolutamente felizes por nada e outras, por seu turno, têm tudo o que alguém possa aspirar e são “poços” de infelicidade. Por que?
Antoine de Saint-Exupéry, por exemplo, considera que a felicidade seja “recompensa” e não “fim”. Discordo. Entendo que ela seja uma predisposição, uma condição espiritual favorável, um estado de satisfação íntima que não depende de nada e ninguém para se instalar em nossas vidas.
Para sermos felizes, temos de “querer” sê-lo, mas com a máxima intensidade, de coração e alma abertos, sem atentar para o que somos, o que temos e com quem estamos. Claro que não sou o dono da verdade e posso, perfeitamente, estar equivocado a respeito. Escrevo, porém, com base, exclusivamente, na minha experiência pessoal e asseguro que, na maior parte do tempo, sou feliz! Por que? Porque quero!
É possível tratarmos da felicidade, cultivarmos esse estado de espírito, esta predisposição positiva face à vida, como uma planta delicada, para que sempre permaneça viçosa e florida? Entendo que sim! Não só podemos, como devemos cultivá-la, tratá-la, adubá-la com o adubo do afeto, do amor e das amizades e borrifá-la com o defensivo da fé, da esperança e da alegria, para que as ervas daninhas da inveja, do rancor, do desespero e de tantos e tantos outros nefastos, mas evitáveis, parasitas, não a sufoquem e lhe tirem o viço.
Vinicius de Moraes, nos versos finais do clássico “A felicidade”, trilha sonora do filme “Orfeu no Carnaval” (com melodia de Luís Bonfá), diz: “A felicidade é uma coisa boa/e tão delicada também,/tem flores e amores/de todas as cores,/tem ninhos de passarinhos/tudo de bom ela tem/e é por ela ser assim tão delicada/que eu trato dela sempre muito bem”. Até porque, o início dessa canção soa como advertência: “Tristeza não tem fim/felicidade sim”. Evitemos que ela se acabe.
Nunca deixemos as portas da alma entreabertas, ou seja, nem abertas por completo e nem fechadas de vez. Esse é o caminho das meias-verdades – que são piores que as mentiras explícitas por causa da sua verossimilhança – e da insensatez, que nos conduz ao erro e à infelicidade.
Escancaremos, sim, as portas do nosso entendimento à verdade, à felicidade, ao amor, às amizades, à alegria, ao bom-humor e à solidariedade, entre outros tantos sentimentos bons. E tranquemo-las a sete chaves – se possível com o reforço de um ferrolho – à inveja, intriga, rancor, violência, egoísmo e aos demais venenos da alma. Mas nunca, em circunstância alguma, as deixemos apenas entreabertas.
Tudo o que se faz na vida gera algum efeito. Nada, absolutamente nada passa incólume. Às vezes, é verdade, os atos são imperceptíveis e ficam assim para sempre. O efeito gerado é ínfimo e quem os praticou se conforma em não ser identificado. Às vezes, as ações tardam a ser percebidas e o autor, igualmente, permanece incógnito.
Às vezes, a percepção é imediata, mas as conseqüências é que são imperceptíveis. E às vezes, os atos (bons ou ruins) são percebidos de imediato e premiados ou punidos, de acordo com sua natureza, sem tardança. Mas tudo, absolutamente tudo o que se faz na vida gera algum efeito.
São os rastros, as marcas, os vestígios de nossa existência que deixamos nos caminhos do tempo. Cecília Meirelles ilustra essa situação de forma lírica e bela, com estes versos que encerram o poema “4º motivo da rosa”, e com os quais encerro, também, essa nossa periódica conversa: “Eu deixo aroma até nos meus espinhos/ ao longe o vento, o vento vai falando de mim// E por perder-me é que vão me lembrando,/por desfolhar-me é que não tenho fim”.
Desfolho-me, em cada lugar que passo, deixando um pouco de mim. Busco espalhar perfume no caminho que trilho, na tentativa de ser lembrado com carinho pelos que comigo conviveram ou que, ao menos, me conheceram. Tento, sobretudo, semear exemplos de conduta e motivar as pessoas na conquista e manutenção da felicidade. Como Cecília Meirelles, “por desfolhar-me é que não tenho fim”.